Por Martha Pinel e Mel Marcondes

“Mudei para Veneza há quase sete anos para fazer um estágio no Guggenheim e nunca mais fui embora. Já morei em muitos lugares pelo mundo mas Veneza foi o primeiro lugar que realmente chamei de casa, o primeiro onde comprei coisas que não cabem mais em malas e onde senti vontade de ficar. Acho que existe em Veneza uma espécie de recusa em se adaptar aos tempos modernos, algo que considero profundamente romântico.
A cidade tem uma escala humana. Atravessar de um ponto a outro é quase sempre um trajeto feito a pé. O ritmo aqui é outro até o modo de se deslocar é completamente diferente das grandes cidades. E o som. A ausência dos carros faz com que a gente ouça o próprio caminhar, o barulho da água, o murmúrio das ruas. Essa proximidade sensorial transforma o cotidiano em algo mais consciente. Veneza é água em todos os sentidos. É movimento e espelho, é o que te sustenta e o que pode te afogar se você resistir demais. Acho que viver aqui me ensinou isso, a necessidade de se entregar ao fluxo. Talvez seja por isso que tantos partem e tantos voltam porque uma vez que você aprende a se mover nesse ritmo líquido, o resto do mundo parece sólido demais, barulhento demais. Em Veneza, tudo acontece devagar mas de forma intensa.
Tem uma frase do Leonard Cohen que diz If you don’t become the ocean, you’ll be seasick every day, Acho que viver em Veneza é exatamente isso, um exercício constante de entrega. A cidade não se adapta a você, é você quem precisa se dissolver um pouco nela, encontrar o seu balanço entre a maré. Veneza te obriga a desacelerar, a aceitar que o caminho mais curto nem sempre é o mais rápido, que a água dita o ritmo e você apenas acompanha. Em Veneza, resistir é enjoar. É preciso se tornar parte desse movimento líquido, deixar-se levar. Talvez seja por isso que, depois de um tempo, a gente aprende a flutuar e percebe que o que antes parecia instabilidade é na verdade, equilíbrio.”
Mel Marcondes, produtora de exposições
“Veneza é uma cidade única, cheia de história e charme. Viver lá não é exatamente o sinônimo de praticidade, mas é uma delícia quando a gente relaxa e entende que a cidade segue um ritmo muito próprio – mais lento, mais humano.
Apesar de estar sempre cheia de turistas, é totalmente possível levar uma vida tranquila e escapar das multidões. Os locais têm um cotidiano muito diferente do que vemos nas áreas turísticas, algo que só descobri depois. Tudo graças à minha amiga Mel, que vive lá há 7 anos e me apresentou esse estilo de vida mais autêntico da cidade.
Eu sou completamente apaixonada pela Italia e pelo conceito de La Dolce Vita.”
Martha Pinel

Restaurantes tradicionais
Antiche Carampane
O meu restaurante preferido em Veneza e provavelmente o de qualquer local que ama comer bem. Escondido em uma ruazinha atrás do Rialto, o Antiche Carampane é uma instituição. A cozinha é clássica veneziana, com peixes e frutos do mar sempre super fresco.
Altanella
Fica literalmente na frente da minha casa então é o lugar onde me sinto em casa. Fica na Giudecca e é um restaurante familiar com décadas de história e um dos poucos com uma vista linda sobre o canal (que dá nome ao lugar). A comida é simples e deliciosa, feita com o tipo de cuidado que só uma cozinha doméstica pode ter.
Restaurantes contemporâneos
CoVino
Irmão mais novo do Al Covo, o CoVino é um restaurante minúsculo, apenas seis mesas, com um menu que muda todos os dias. Oferece um menu degustação com super custo benefício, sempre com produtos frescos e locais. Ideal para quem gosta de gastronomia autoral sem frescura.
Bacán
Cozinha deliciosa inspirada na culinária latino-americana, com toques do Peru, México e Equador. Os drinks são incríveis (sério, vale a visita só por eles) e o lugar tem uma vibe acolhedora. Perfeito para um date ou jantar entre amigos.
Tòcia
Fique de olho no coletivo Tòcia, que organiza diversos eventos gastronômicos em Veneza ligados à comida da laguna e ao conceito quase km zero. Eles promovem encontros, jantares e colaborações com produtores locais e é uma forma contemporânea e comunitária de vivenciar a gastronomia veneziana

Cafés
Veneza é uma cidade praticamente sem áreas verdes, e as poucas que existem têm histórias curiosas. As duas principais áreas de jardins foram criadas durante o domínio de Napoleão que mandou demolir antigas construções para abrir espaço para parques públicos. Para tomar um bom café durante o dia e ver o tempo passar, adoro o La Serra dei Giardini perto dos Giardini além de ser um ótimo lugar para comprar plantas. Outro favorito é o Illy Caffè na Piazza San Marco que fica dentro do Giardini Real. E o meu novo segredinho (por favor, não espalhem!) é o Il Giardin, escondido no meio do parque de Sant’Elena, uma das áreas mais tranquilas e arborizadas de Veneza.
Doces
Rizzardini. A melhor pastaria de Veneza. Estão no mesmo lugar desde 1742. Doces incríveis
Pizza
Veneza, acredito, é a pior cidade da Itália para comer pizza. A explicação é simples: é proibido acender fogo aberto na cidade. Não temos churrasqueiras, lareiras nem fornos a lenha. Por isso, todas as pizzas são feitas em fornos elétricos. Dito isso, ainda existem alguns lugares que salvam a experiência. As minhas preferidas são a Trattoria dai Fioi e a Birraria La Corte.
Bares
Para beber uma boa seleção de vinhos naturais vá ao Vino Vero na Misericordia, sempre cheio na beira do canal, com rótulos incríveis e gente interessante. Gosto também do La Bottiglia, do Ai Pugni e do La Sete.
E claro em Veneza o spritz é quase uma instituição. Mas aqui o original é o Select Spritz, um bitter entre o Aperol e o Campari. O melhor spritz é sempre aquele perto de casa e eu tenho a sorte de morar a poucos passos do La Palanca. Ir ali no fim do dia e ver o pôr do sol na beira da agua é simplesmente surreal!
– Experimental – sentar na beira da agua e assistir o por do sol com drinks
– Cantina del vino dà schiavi – spritz + cichetti (que são as “tapas” venezianas)
Melhor lugar ir com as amigas
No verão, o melhor programa com os amigos é ir para Lido e passar o dia na praia. Outro passeio que adoro é alugar uma bicicleta e ir até Pellestrina, uma ilha estreita e tranquila, quase um segredo, cheia de pequenas casas coloridas e restaurantes simples à beira mar, onde o tempo parece não passar.
Também amo ir ao Mercato di Rialto no sábado de manhã, comprar peixe fresco e começar o dia com um spritz. É o tipo de programa que resume bem a vida dos Venezianos.

Música / festa
No verão organizo a Fresca, uma festa que já virou tradição entre amigos. Quando estão na Europa, alguns deles tocam inclusive a Martha. É sempre uma celebração pequena mas intensa, feita do jeito que dá com música, calor e gente que realmente quer estar ali.
A Biennale di Musica deste ano está com uma programação incrível. A diretora artística é a Caterina Barbieri, de quem sou enorme fã. Ela trouxe uma energia nova para a Bienal, abrindo espaço para a música eletrônica e para novas experimentações sonoras. Diferente das outras Bienais, a de Música acontece todos os anos.
Cultura
Veneza foi a primeira cidade do mundo a se organizar como turística. Desde o início, ela soube que viver aqui é também se deixar observar e talvez por isso continue encantando, como se nunca tivesse deixado de ser um destino de descobertas. Viver aqui traz uma sensação de isolamento, mas é um isolamento paradoxal porque apesar de pequena, Veneza pulsa o ano inteiro com grandes eventos do Carnaval às Bienais de Arte e Arquitetura, do Festival de Cinema a Festa del Redentore. A cidade realmente não para.
A Bienal de Arte de Veneza que acontece a cada 2 anos é uma das feiras de arte mais importantes do mundo, imperdível. Se atente as datas e se programe. Reserve 2 dias pra fazer tudo com calma.
Os Tintorettos são imperdíveis. A Scuola Grande di San Rocco é um verdadeiro templo dedicado ao mestre e, claro, O Paraíso, no Palazzo Ducale, considerado o maior quadro em tela do mundo.
Vale ver de perto alguns projetos do Carlo Scarpa, como na Querini Stampalia, onde ele transforma a água em elemento arquitetônico e Olivetti na Piazza San Marco.
Entre os contemporâneos, estão todas as grandes fundações Guggenheim, Fondazione Prada, Pinault e novas continuam surgindo todos os anos. Não deixe de ver Female Figure, do Jordan Wolfson, na AMA Foundation.
Uma coisa bem legal que rola em Veneza é o Cinema Galleggiante – é um projeto cultural especial e diferente: como o nome diz, é um cinema flutuante, o telão fica montado sob as aguas no meio do mar e voce vai assistir aos filmes do seu barquinho. E sazonal, entao vale pesquisar as datas.
Marcas / lojas
O Alessandro Merlin é um ceramista maravilhoso aqui em Veneza. Amo suas peças — visitar o ateliê dele é sempre uma bela troca, cheia de conversa boa.
A Piedàterre é conhecida por suas slippers venezianas clássicas em veludo. Eles têm uma infinidade de cores e duas lojas na cidade.
A Sunset Yogurt é uma marca autoral de joias de murano, divertida e cheia de personalidade. Dá para marcar visitas ao estúdio da Cosima diretamente pelo Instagram.
Ainda no universo do vidro, a Laguna B é imperdível. Além da loja linda, eles criam designs incríveis de copos, jarras e objetos.
Acho super inspirador ver essa nova geração de designers reinterpretando a tradição milenar do vidro de murano que segue viva e presente em Veneza.
E para quem é fã de livros de arte e arquitetura, vale visitar a Bruno, uma livraria pequena mas com uma curadoria impecável pertinho do Campo San Barnaba.
Muitas igrejas em Veneza têm bazares internos — vale ficar de olho nas plaquinhas na porta. Eles são itinerantes, então não têm dia ou horário fixo e eu mesma sempre os encontrei por acaso, andando pela cidade.
De brechó, o meu favorito é o Vintageria.
Mais dicas
– Vá com sapatos confortáveis e disposição para andar bastante. O grande charme da cidade também pode ser um desafio: não existe Uber e os vaporetos (barcos tipo ônibus) podem ser confusos no início. O Google Maps nem sempre ajuda, então vá com tempo e paciência para se perder pelo caminho.
– Uma das coisas que eu mais amo é caminhar pela cidade de madrugada, quando fica silenciosa e praticamente sem turistas. É mágico.
– Se você enjoa em barco, leve um remédio, como Vonau. Minha primeira semana foi difícil, mas depois o corpo acostuma.
