Enquanto a maioria encara longas filas, cafés requentados e preços surreais por um pão de queijo murcho, um grupo seleto de viajantes vive uma realidade paralela dentro dos aeroportos. Ali, atrás de portas que se abrem com passagens caríssimas ou cartões de crédito premium, os lounges VIP deixaram de ser espaços funcionais e viraram templos de ostentação.
Nos últimos anos, companhias aéreas e operadoras de cartões entraram numa corrida silenciosa para transformar seus lounges em destinos por si só. O New York Times mostrou como esses espaços estão apostando pesado em gastronomia de alto nível: menus assinados por chefs estrelados, sushi preparado na hora, pratos com trufas, estações de caviar servidas em colher de madrepérola, vinhos raros e cafés de torrefação artesanal. O design segue o mesmo roteiro: mármore polido, iluminação suave, obras de arte, poltronas que parecem tronos e garçons que tratam o passageiro como hóspede de um hotel-boutique.
No Brasil, esse movimento acaba de ganhar sua versão mais extrema: o Terminal BTG Pactual, inaugurado em Guarulhos, é o primeiro terminal privativo da América Latina.
Não é só um lounge: é uma bolha de luxo onde o passageiro faz check-in, imigração, alfândega e embarque com zero filas, enquanto janta num restaurante à la carte, descansa em suítes exclusivas ou espera o voo em silêncio, com uma taça de champagne na mão, até ser levado de carro particular e importado até a aeronave.
Tudo isso, claro, mediante pagamento à parte ou programas de assinatura premium. Um aeroporto dentro do aeroporto, desenhado para que quem pode pagar nunca precise ver o resto.
Mas o que parece apenas um upgrade de serviço é, na prática, um símbolo escancarado de desigualdade. Enquanto poucos saboreiam foie gras em silêncio climatizado, a grande maioria encara filas, ruídos e opções de alimentação genéricas, caras e, em sua maioria, ruins. A experiência de espera no aeroporto, que deveria ser coletiva, se fragmenta em castas cada vez mais distantes — como se o terminal fosse um espelho miniaturizado do mundo lá fora.
Essa transformação não é sobre comida, é sobre status. À medida que o ato de voar ficou mais acessível, as marcas precisaram criar novas barreiras para restaurar o senso de exclusividade. O luxo virou uma forma de diferenciação simbólica: o que se consome não é apenas o prato, mas a sensação de pertencer a um clube reservado, de estar “acima” da massa que espera do lado de fora.
E essa lógica tem efeitos colaterais curiosos:
- Eleva as expectativas — quem experimenta esse nível de cuidado nos lounges passa a medir todos os serviços por esse padrão, aumentando a frustração com qualquer experiência “comum”.
- Monetiza privilégios — para acessar esse conforto, é preciso comprar bilhetes caríssimos, acumular milhas, pagar anuidades absurdas de cartões, ou tudo isso junto.
- Escancara contrastes — quanto mais luxuosos os lounges se tornam, mais medíocres parecem os terminais comuns, onde um lanche ruim custa como um jantar.
No fim, esses espaços vendem a promessa de que o tempo perdido no aeroporto pode ser convertido em prazer, desde que você possa pagar por isso. Enquanto os voos seguem atrasando e os portões seguem lotados, os templos do luxo aéreo seguem servindo champagne, reforçando o lembrete: viajar pode até ter se democratizado, mas o conforto continua sendo um privilégio.