Nos últimos meses, uma cena curiosa tomou conta das cidades: adultos lotando restaurantes onde a mesa é de papel, o drink se chama “Azul” e o maior sucesso da noite é um potinho de giz de cera. O kidult boom, essa tendência de recuperar códigos da infância, chegou chegando à gastronomia, e a sensação é de que todo mundo resolveu fazer uma pausa coletiva da vida adulta. Não é difícil entender por quê. Depois de anos de ansiedade, instabilidade e expectativas que nunca se cumprem, a ideia de voltar a desenhar enquanto espera o jantar soa menos infantil e mais como um pequeno alívio existencial.
O Lagana, em Londres, é exemplo perfeito: parece feito para ativar memórias de quando a maior decisão era escolher entre lápis vermelho ou azul. O público? Quase todo sub-35, todos rabiscando como se tivessem reencontrado um superpoder esquecido. E isso diz muito sobre o momento cultural. A nostalgia virou ferramenta emocional; a infância, um intervalo mental onde ninguém cobra nada. Não existe dress code, não existe “harmonização ideal”, não existe o medo de pronunciar cabernet sauvignon errado. Existe só a brincadeira e, pelo tempo do jantar, isso basta.
Ao mesmo tempo, esses lugares entendem um ponto que talvez doa admitir: a gente desaprendeu a esperar. O silêncio entre um prato e outro virou gatilho para pegar o celular; a conversa nem sempre dá conta de preencher o vazio. A proposta lúdica entra justamente aí, oferecendo uma outra forma de atenção, mais manual, menos ansiosa. É sintoma e solução ao mesmo tempo.
Mas reduzir tudo isso a “adultos infantis” é não captar a camada mais interessante do fenômeno. No fundo, esses restaurantes oferecem uma nova forma de sociabilidade: menos performance, mais leveza. A vida adulta virou sinônimo de boletos, correria e uma certa obrigação de parecer sempre no controle. Entrar num restaurante onde te dão um pato de borracha ou um menu escrito como piada interna é, de certa forma, poder baixar a guarda. É a permissão tácita para não levar tudo tão a sério.
Por isso o boom parece tão forte. Não é sobre comida em formato de desenho animado, nem sobre drinks em copão colorido. É sobre a sensação rara de poder relaxar sem precisar provar nada para ninguém. Se, por algumas horas, um lugar consegue fazer você esquecer o peso da vida adulta com uma folha em branco e alguns lápis de cera, talvez ele esteja entendendo o espírito do tempo melhor do que qualquer restaurante estrelado. No fim das contas, o que está em jogo não é regressão, é respiro. E todo mundo anda precisando de um.