Estava lendo um artigo de uma mulher e mãe que relatava como é difícil fabricar escassez em um mundo consumista, porém sob a ótica da educação. Parte de sua observação era sobre como vivemos em um mundo que sugere uma extrema abundância – claro que levando em consideração que há muitos níveis em tal ideia e muitas pessoas são sistematicamente privadas dessa abundância. Ela relatava como o sentimento da pronta disponibilidade de bens de consumo faz com que seus filhos percebam que o que quer que desejem, é muito acessível, sejam elas brinquedos, livros ou doces. Ela também observa como a abundância está relacionada com a informação e comunicação que proporciona música, filmes/tv, jogos e Google, tornando a ideia de estar entretido ou envolvido em todos os momentos (ou seja, sem tédio permitido), uma coisa sempre presente. De fato, achei muito interessante o ponto de vista trazido por ela, mas como não tenho filhos, naturalmente fiquei presa nessa segunda relação: abundância x tédio, e é aí que minha mente começou a divagar.
Quando estou no ponto de ônibus esperando, eu não consigo sentar e observar o movimento da rua, eu logo pego o celular da bolsa. No Uber, eu ligo para alguém. Não me lembro a última vez que esperei alguém chegar no restaurante, sem abrir apps. Esperar é muito chato. E no mundo da abundância, temos muitas maneiras imediatas de reduzir a sensação de tempo de espera. Tem que chegar em algum lugar? Uber. Tem que falar com alguém? WhatsApp. Com fome? Rappi. Sozinho? Tinder. Sem inspiração? Spotify, YouTube, Netflix, Pinterest… Nosso mundo funciona assim, rápido e sem tempo para ficar sem o que fazer.
O tédio pode passar mensagens importantes, você já parou para prestar atenção? Afinal, quando o cérebro está sem um foco ou uma tarefa, ele entra no que chamam de “modo padrão”, em que tende a divagar e conectar ideias, resolver problemas e visitar momentos importantes do nosso passado que nos ajudam a estabelecer objetivos significativos para o futuro. Portanto, ele deve ser visto como um fato da vida não mais evitável do que qualquer outro estado mental, bom ou ruim.
Como descrevê-lo? Em Out of My Skull, os psicólogos James Danckert e John D Eastwood o definem como “a sensação desconfortável de querer fazer alguma coisa, mas não querer fazer nada”. E, assim como uma vez disse Steve Jobs, “o tédio permite que você se entregue à curiosidade”, para eles, o tédio pode nos levar a realizar nosso potencial e viver vidas plenas e significativas.
Sendo assim, por conta da infinita rolagem das redes sociais e intermináveis horas de entretenimento, hoje, pode sim ser mais fácil do que nunca evitar o tédio, mas tal abundância de coisas passa a ter o efeito contrário – o famoso ‘paradoxo da escolha’, que reforça como as opções não são necessariamente libertadoras e não necessariamente nos fazem felizes.
Após essa reflexão e do meu encontro feliz com o tema, pretendo não cometer o erro que vira e mexe faço de tentar escapar da sensação desconfortável. Esperar não precisa ser chato. São esses pequenos momentos entre os grandes eventos, a calmaria entre a chegada de alguém, do ônibus, do caminho pra casa, que tornam a vida única, espontânea e interessante.
Por fim, termino com a frase que Danckert e Eastwood escrevem no livro: “quando somos constantemente carregados por uma corrente veloz, podemos esquecer como nadar sozinhos”.