Outro dia recebi uma mensagem de uma amiga depois que a Kate Middleton anunciou estar com câncer – ‘O que que tá acontecendo? Tanta gente jovem?’ e é justamente no debate dessa questão que resolvi me aprofundar, no por que cada vez mais jovens estão sendo diagnosticados com câncer.
Infelizmente o câncer é uma realidade dura que parece estar longe de ter solução – segundo a OMS, mais de 10 milhões de pessoas morrem todos os anos pela doença. Olhando para os jovens, segundo as estatísticas de todo o mundo, as taxas de mais de uma dúzia de tipos de cânceres estão aumentando entre adultos com menos de 50 anos. Esse aumento varia de país para país e de câncer para câncer, mas modelos baseados em dados globais preveem que o número de casos de câncer de início precoce – geralmente definidos como aqueles que ocorrem em adultos com menos de 50 anos – aumentará em cerca de 30% entre 2019 e 2030. Segundo um estudo publicado recentemente na revista britânica BMJ Oncology, o aumento foi de 79% em novos casos entre pessoas com menos de 50 anos nas últimas três décadas (1990-2019). Além disso, as mortes por câncer na mesma faixa etária também cresceram mais de 27%, com mais de 1 milhão de pessoas jovens morrendo devido à doença.
Nos Estados Unidos, o câncer colorretal – que normalmente atinge homens com 60 anos ou mais – tornou-se a principal causa de morte por câncer entre homens com menos de 50 anos. Em mulheres jovens, ele se tornou a segunda principal causa de morte por câncer. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), são esperados 704 mil novos diagnósticos a cada ano do triênio de 2023 a 2025 – uma soma que resultará em mais de 2 milhões de novos casos da doença ao longo desses 36 meses. Entre os tipos de tumor mais comuns por aqui, o câncer de pele do tipo não melanoma continua na liderança.
Tá, mas tem alguma explicação para isso?
À medida que as demandas por melhores exames, conscientização e tratamentos se intensificam, os pesquisadores estão trabalhando fervorosamente para elucidar os motivos por trás das taxas crescentes. Fatores comumente citados como o aumento das taxas de obesidade e os esforços de detecção precoce do câncer, não conseguem explicar totalmente o aumento. Alguns estão explorando possíveis explicações no microbioma intestinal ou na composição genética dos próprios tumores. No entanto, muitos acreditam que respostas mais claras virão de estudos longitudinais que examinem a saúde ao longo da vida de pessoas nascidas décadas atrás. A gastroenterologista Sonia Kupfer, da Universidade de Chicago, sugere que o fenômeno é resultado de uma combinação complexa de vários fatores.
Apesar da diminuição das mortes por câncer em alguns países, como os Estados Unidos, devido ao aumento do rastreamento, à redução do tabagismo e ao desenvolvimento de novas opções de tratamento, a incidência global de câncer está em ascensão. Embora os cânceres de início precoce representem apenas uma parte dos casos totais, a sua incidência tem aumentado. Entre 1990 e 2019, o número de mortes por cânceres de início precoce aumentou em quase 28% em todo o mundo, em parte devido ao crescimento populacional. Modelos sugerem que essa tendência de aumento na mortalidade pode persistir.
O diagnóstico precoce
A crescente incidência de câncer em pessoas mais jovens tem impulsionado a ênfase no rastreamento precoce. Campanhas têm sido direcionadas para indivíduos com menos de 50 anos, com eventos promovendo conscientização. Além disso, casos emblemáticos, como a morte prematura do ator Chadwick Boseman, em 2020, aos 43 anos, devido a câncer de cólon, têm contribuído para esse aumento na conscientização. Sem falar que em 2018, a Sociedade Americana do Câncer ajustou suas diretrizes, recomendando exames para detecção de câncer colorretal a partir dos 45 anos, em vez de 50 anos.
Pistas genéticas
As taxas crescentes de cânceres gastrointestinais estão possivelmente ligadas às mudanças na dieta, como o aumento da obesidade e o consumo de alimentos processados. No entanto, análises sugerem que esses fatores não contam toda a história, de acordo com Daniel Huang, hepatologista da Universidade Nacional de Cingapura. Clínicos observaram que, muitas vezes, os jovens que eles tratavam estavam em forma e aparentemente saudáveis, com poucos fatores de risco de câncer. Um exemplo é uma mulher de 32 anos que estava se preparando para uma maratona e foi diagnosticada com câncer de fígado, apesar de parecer saudável. Isso destaca a complexidade da relação entre estilo de vida e câncer.
Importantes financiadores de pesquisas sobre o câncer, incluindo o Instituto Nacional do Câncer dos EUA e o Cancer Research UK, apoiam programas para encontrar outros fatores que contribuem para o câncer de início precoce. Uma abordagem tem sido procurar pistas genéticas em tumores de início precoce que possam diferenciá-los dos tumores em adultos mais velhos, mas essas diferenças são sutis, e os pesquisadores ainda não encontraram uma demarcação clara entre os cânceres de início precoce e os de início tardio. Além disso, estudos sobre o microbioma indicam que mudanças na composição, causadas por dieta ou antibióticos, podem aumentar o risco da doença. No entanto, a ligação precisa entre microbioma e cânceres de início precoce ainda não está confirmada devido à natureza preliminar dos resultados e à dificuldade em reunir dados de longo prazo. Christopher Lieu, oncologista da Universidade do Colorado, destaca os desafios de coletar informações detalhadas sobre hábitos alimentares ao longo do tempo.
Olhando para o passado
Outra abordagem é examinar as diferenças entre os países. Por exemplo, o Japão e a Coreia do Sul estão localizados próximos um do outro e são economicamente semelhantes. Mas o câncer colorretal de início precoce está aumentando em ritmo mais acelerado na Coreia do Sul do que no Japão, diz Tomotaka Ugai, epidemiologista de câncer da Harvard Medical School. Ugai e seus colaboradores esperam determinar o motivo.
Mas os dados são escassos em alguns países. Na África do Sul, os dados sobre câncer são coletados apenas dos 16% da população que têm seguro médico, diz Boitumelo Ramasodi, diretor regional para a África do Sul da Global Colon Cancer Association, uma organização sem fins lucrativos de Washington DC. Aqueles que não têm seguro não são contados e as famílias raramente mantêm registros de quem morreu de câncer. Para muitos negros no país, o câncer é considerado uma doença de pessoas brancas.
Barbara Cohn, do Public Health Institute, destaca a necessidade de examinar períodos longos de tempo para entender a relação entre a exposição a agentes cancerígenos e o desenvolvimento de cânceres de início precoce. Para isso, dados e amostras de longo prazo, como os coletados de gestantes desde 1959, são essenciais para compreender melhor essa questão complexa.
Cohn e Caitlin Murphy, epidemiologistas do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em Houston, já tentaram examinar os dados para procurar vínculos com cânceres de início precoce e descobriram uma possível associação entre o câncer colorretal precoce e a exposição pré-natal a uma forma sintética específica de progesterona, às vezes tomada para evitar o parto prematuro. Mas o estudo deve ser repetido em outras coortes para que os pesquisadores tenham certeza.
Os médicos devem compartilhar dados e acompanhar de perto os pacientes com cânceres de início precoce, mesmo após a conclusão do tratamento, para entender melhor como tratá-los, enfatiza Irit Ben-Aharon, oncologista do Rambam Health Care Campus em Haifa, Israel. O tratamento em pessoas jovens pode ser complexo devido aos potenciais efeitos colaterais a longo prazo, como problemas cardiovasculares e cânceres secundários, além das questões relacionadas à fertilidade e impacto no trabalho, o que torna a abordagem terapêutica ainda mais desafiadora.
Enfim, diante desse aumento preocupante de diagnósticos de câncer em pessoas jovens, é crucial uma investigação abrangente para compreender os fatores por trás dessa tendência. Embora esforços como os mencionados acima tenham sido úteis, lacunas significativas persistem. Lembrando que a cooperação global é fundamental para investir em pesquisa e políticas de saúde pública que abordam efetivamente essa questão crescente e preocupante.
Fonte: Revista Time