Criativos empacam. É um fato inegável que pessoas criativas frequentemente se deparam com bloqueios. Muito disso se deve à cultura da produtividade incessante em que estamos imersos, que nos pressiona a produzir constantemente. No entanto, a realidade é que não existe um fluxo criativo perpétuo.
Nesta semana, eu mesma me vi enfrentando um bloqueio criativo daqueles. Fiquei paralisada, sem saber o que escrever nesta seção. Isso acontece porque eu coloco a barra muito alta para mim mesma. Meu objetivo é sempre apresentar algo diferente, inusitado e não óbvio, algo que desperte genuinamente a sua curiosidade e interesse. Esta busca constante pelo extraordinário, embora louvável, pode ser complexa. Ela nos faz esquecer que a criatividade tem seus altos e baixos, seus momentos de fluidez e de estagnação. É crucial reconhecer que esses períodos de aparente improdutividade são, na verdade, parte integrante do processo criativo.
Às vezes, precisamos dar um passo atrás, respirar fundo e lembrar que a pressão por inovação constante pode ser contraproducente. É importante valorizar também os momentos de pausa, reflexão e até mesmo de aparente “não produtividade”. Afinal, é muitas vezes nesses intervalos que as ideias mais originais têm espaço para germinar.
Também quando estou assim, gosto de procurar histórias inspiradoras, sejam elas de marcas, pessoas, mas dessa vez também não estava sabendo qual história conta… foi lendo minhas newsletters, matérias e sites que me deparei com uma menção à loja MUJI e acabei caindo no nome Kenya Hara. Voilá, acabei sem querer encontrando o tema da edição que curiosamente falava diretamente com o meu bloqueio criativo.
Procurando mais a respeito, descobri que Kenya Hara, curador, escritor e um proeminente designer gráfico japonês, desempenhou um papel fundamental na consolidação da filosofia da marca. Hara oferece uma perspectiva única sobre criatividade que pode ser conectada à superação de bloqueios criativos. Sua abordagem enfatiza a importância de redescobrir o desconhecido no familiar e de aproveitar o passado como um recurso para a criatividade.
Em seu livro “Designing Design”, Hara defende a estética do “vazio” e exemplifica que os produtos da MUJI estão impregnados dela. Segundo ele, a estética da marca não se trata tanto de ser “simples” – embora essa seja a primeira palavra associada a ela – mas de ser “vazia”. Portanto, seus produtos são projetados para se tornarem “recipientes vazios”, para que os usuários possam colocar suas próprias coisas, seja uma ideia, criatividade ou objetos físicos. O produto assume a menor quantidade, mas a mais alta qualidade de design.
A MUJI tem como objetivo ser um suporte capaz para a vida do usuário, em vez de ser a força motriz dela. Seus produtos refletem as necessidades do consumidor da forma mais simples possível, sem forçar nenhuma personalidade.
Já no livro Ex-formation, Hara explora o conceito de “tornar o conhecido desconhecido” como um tema central em sua filosofia de design. Essa ideia tem a ver com desafiar percepções e incentivar as pessoas a reavaliar objetos e conceitos cotidianos. Ela refere-se a uma prática em que entendemos o quão pouco sabemos sobre algo à medida que o conhecemos mais profundamente. Hara apresenta seu método que se concentra em tornar desconhecidas as coisas conhecidas para reacender a curiosidade e a criatividade.
Por exemplo, ele foi curador de uma exposição chamada “Redesign: Daily Products of the 21st Century”, na qual convidou designers a repensar itens mundanos como papel higiênico e saquinhos de chá. O objetivo não era necessariamente melhorar esses designs, mas provocar a reflexão e destacar a diferença no pensamento do design em comparação com os produtos convencionais.
Ao tornar o conhecido desconhecido, Hara incentiva um envolvimento mais profundo com o mundo, pedindo aos designers e ao público que vejam além da superfície e explorem os significados e as possibilidades subjacentes dos objetos do cotidiano. Ele usa o exemplo de guias de viagem para ilustrar bem isso: como segui-los pode levar a meras visitas turísticas e a não compreender verdadeiramente uma cidade. Ele sugere um tipo diferente de guia que ajude os viajantes a perceber o pouco que realmente sabem sobre uma metrópole, incentivando-os a sentir o que é novo e desconhecido.
De modo geral, as percepções de Kenya Hara sugerem que a superação dos bloqueios à criatividade envolve uma mudança de perspectiva – valorizar o familiar, abraçar a curiosidade e recorrer ao passado para inspirar a criatividade futura. Para isso é preciso curiosidade (e claro, inteligência) para então encontrar novas conexões e ver padrões invisíveis para a maioria. Essa curiosidade é algo com que nascemos. As crianças exploram o mundo ao seu redor para aprender sobre ele. Elas estão sempre perguntando “o que é isso?” e “por quê?”. Gradualmente, porém, as crianças suprimem isso em favor da conformidade com o “eu sei, eu sei” de Hara, porque saber demonstra maturidade. Saber é equiparado à inteligência. Assim, paramos de fazer perguntas e começamos a dizer “eu sei, eu sei” em vez de “o que é isso?” e “por quê?”.
Enfim, concluo a reflexão de hoje com uma frase de Hara: “o conhecimento é meramente a entrada para o pensamento.” O bloqueio criativo que inicialmente me paralisou, fazendo-me questionar minha capacidade de produzir algo novo e interessante, agora se revela como uma oportunidade valiosa à luz das ideias de Kenya Hara. Seu conceito de “tornar o conhecido desconhecido” oferece uma perspectiva renovadora para enfrentar esses momentos de estagnação criativa. Hara nos ensina que a verdadeira criatividade não está necessariamente na busca incessante pelo extraordinário, mas na capacidade de redescobrir o familiar com um olhar curioso e questionador. Meu bloqueio, portanto, não era um sinal de fracasso, mas um convite para pausar, refletir e reavaliar o mundo ao meu redor com novos olhos.
Ao adotar essa mentalidade, posso transformar momentos de aparente improdutividade em oportunidades para um pensamento mais profundo e inovador. Tudo isso me lembrou que a criatividade não é um fluxo constante, mas um processo que envolve pausas, reflexão e a coragem de questionar o que achamos que já sabemos. Hara nos convida a ter a coragem de sermos incertos, a admitir que não sabemos como uma estratégia para o design. E eu aceito isso para a minha criatividade.