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Náufragos por escolha

Imagine-se em uma ilha deserta. Sem Wi-Fi, Netflix, delivery, contato com as pessoas. Apenas você, a natureza e seus pensamentos. Parece assustador? Para alguns, é o paraíso (no final do texto coloquei alguns depoimentos)

Recentemente, descobri uma tendência de viagem que me deixou no mínimo intrigada: o “turismo castaway”. Sim, você leu certo. Pessoas estão pagando para serem abandonadas em ilhas desertas. O caso de Gary Beeck, um aposentado australiano de 67 anos, me fez querer devorar a matéria… Ele planejou passar 12 dias vivendo de cocos selvagens e o que mais pudesse pescar. Confesso que meu primeiro pensamento foi: “esse cara é louco ou só muito corajoso?”

Empresas como a Docastaway, fundada em 2010, estão lucrando com pessoas que buscam esse isolamento extremo. E não são as únicas – No Limit Journeys, Desert Island Survival, Untold Story Travel... o mercado parece estar bombando!

O itinerário? Surpreendentemente simples. Após uma noite em um hotel de luxo (último mimo!), os “náufragos” são deixados na ilha. Em algumas das agências, passam alguns dias aprendendo habilidades básicas de sobrevivência como identificar a flora comestível, a pescar e a fazer fogo, construir abrigos com folhas de palmeira e subir em árvores para pegar frutas, – mas depois…. tchau, tchau, civilização!

A experiência em si varia conforme a empresa e o nível de conforto escolhido. A Docastaway, por exemplo, oferece tanto o “modo sobrevivência” quanto o “modo conforto”, deixando o cliente em uma ilha por algo entre £80 e £330 por noite. Já a Untold Story, empresa de viagens britânica especializada em viagens sob medida, permite que os clientes “despertem seus instintos primitivos” com uma experiência personalizada em uma ilha deserta, a partir de £ 3.500. Pois é, aparentemente, o isolamento é um luxo caro.

Dentre o perfil dos viajantes estão jovens empreendedores, idosos ricos, principalmente homens entre 35 e 50 anos. Gente que poderia estar em resorts 5 estrelas, mas escolhe dormir na areia e comer caracóis. 

Tá, mas o que motiva as pessoas a buscarem esse tipo de experiência extrema? 

Urara Takaseki, uma estudante japonesa que fez isso, disse que queria “se libertar do status quo da sociedade”.  Para muitos, é uma busca por desconexão profunda em um mundo cada vez mais conectado e acelerado, uma oportunidade perfeita para fugir da rotina e do estresse da vida moderna, combinada com o desafio pessoal e a oportunidade de autoconhecimento, tornando a experiência “castaway” atraente para um número crescente de viajantes.

Os desafios são reais: o clima pode ser imprevisível, a fome é uma possibilidade constante e a solidão pode ser avassaladora. No entanto, são precisamente esses desafios que muitos participantes consideram transformadores. Takaseki relata que sua perspectiva sobre trabalho e estilo de vida mudou radicalmente. Já Beeck voltou para casa se sentindo mais calmo, menos crítico e um ouvinte melhor. Além disso, muitos participantes relatam uma maior valorização de relacionamentos e família, além de desenvolverem uma calma interior e capacidade de reflexão que raramente encontram em suas vidas cotidianas.

Claro, não é tudo romance e autodescoberta. Há questões éticas e ambientais sérias. As empresas limpam as ilhas antes das visitas (imagina o lixo que encontram!), e há preocupações sobre o impacto dessas experiências em ecossistemas frágeis.

Bom, confesso que a ideia de passar fome não me atrai nem um pouco, mas que fiquei levemente tentada com os relatos de transformação pessoal. Porém, não consigo deixar de me perguntar: e se eu fizesse isso, como eu mudaria? Será que voltaria uma pessoa diferente?

E você?Já se imaginou como um náufrago voluntário? Que segredos uma ilha deserta poderia revelar sobre você?

Se, como eu, você está intrigado (ou horrorizado) com essa ideia, sugiro que dê uma olhada mais profunda. Afinal, é como a matéria que li menciona, “às vezes, é preciso ir a uma ilha deserta para redescobrir o que realmente importa em nossas vidas agitadas”.

Depoimentos que encontrei:

  1. “Essa foi minha segunda viagem de sobrevivência, depois de ter feito a primeira há quatro anos. Que contraste com a primeira! Tivemos chuva, vento e sol, mas senti uma paz que não sentia nos últimos anos. Que experiência fundamental para desacelerar e desfrutar do simples fato de estar sem as armadilhas do mundo moderno. Tirei um tempo para respirar, voltei ao básico, conquistei habilidades que ainda não havia dominado da primeira vez e simplesmente aproveitei o fato de não ter “coisas”. Acho que depois da covid e de fazer esse sobrevivente neste momento, tenho ainda mais apreço por tirar um tempo para  mim. Definitivamente, isso me reconectou às minhas raízes em casa, na natureza, que  acabei perdendo com a desculpa de estar ocupada! Os melhores instrutores, Tom e Azrael – vocês são realmente uma bênção -, estou ansioso pela próxima vez :)”
  1. Viagem que muda sua vida. Naturalmente, você aprenderá habilidades divertidas como artesanato, fabricação de fogueiras, armadilhas/pesca e assim por diante, mas o mais importante é que você se reconectará com uma versão mais primitiva de si mesmo e aprenderá como uma vida muito mais simples pode lhe trazer alegria em um mundo tão complicado.

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