O tema desta edição é algo que me intriga há tempos e talvez também te deixe desconfortável. Pode ser um incômodo que você já identificou, ou algo que está ali, silencioso, no fundo da sua percepção. O fato é: muitas pessoas sentem o mesmo!
Era uma vez o sonho do sorriso perfeito: dentes branquíssimos, alinhados como soldados em marcha impecável. Esse padrão, que reinou absoluto por décadas na odontologia estética, começa a ser substituído por uma tendência curiosa e ousada: as chamadas facetas “perfeitamente imperfeitas”, que podem custar entre US$ 20 mil e US$ 50 mil.
Após um crescimento triplicado nas últimas duas décadas, o setor odontológico prevê uma expansão de 70% nos próximos cinco anos. Mas o mais interessante não é só o tamanho desse mercado, e sim a transformação no que as pessoas buscam.
As facetas “perfeitamente imperfeitas”, projetadas para recriar pequenas “falhas naturais”, vêm dominando as escolhas de jovens entre o final da adolescência e os 30 e poucos anos. Muitos desses pacientes não têm problemas dentários aparentes, mas fogem do sorriso ultrabranco e uniforme, o famoso “sorriso de comercial de pasta de dente”. Agora, a preferência é por mudanças sutis: um tom ligeiramente mais claro, um canino levemente remodelado ou um espaço suavemente fechado entre os dentes. O objetivo? Parecer que nasceu assim.
De acordo com um relatório do Wall Street Journal: “Eles não querem transformar seus dentes em uma fileira de peças idênticas e brilhantes. Querem polir as imperfeições, sem apagá-las completamente.”
Essa ironia tem um preço – alto, diga-se de passagem. Criar algo que parece natural é um processo incrivelmente trabalhoso, exigindo mais habilidade técnica e investimentos consideráveis. Não é coincidência que as facetas que imitam “naturalidade” custem bem mais do que as tradicionais.
Essa mudança acompanha uma tendência maior no universo da beleza: intervenções estéticas que procuram parecer invisíveis. Já falamos aqui sobre a “era da beleza obscura”, em que o maior luxo é parecer que você não fez absolutamente nada para ficar incrível.
Mas nem tudo são flores (ou sorrisos) nesse mercado. Relatos de procedimentos mal executados estão em alta. O TikTok está repleto de histórias assustadoras sobre facetas que deformaram rostos ou causaram dores crônicas. A linha entre o natural e o artificial é tênue, e ultrapassá-la pode trazer consequências permanentes.
Há também uma questão socioeconômica nesse debate. As facetas tipo “chiclet”, ultrabrancas e perfeitas, são frequentemente ridicularizadas por parecerem “baratas” ou artificiais, mas já representam um luxo para a maioria da população. Imagine, então, as versões “naturais” de US$ 50 mil? Até as facetas mais acessíveis, como as realizadas em destinos de turismo médico (exemplo: Turquia), chegam a custar US$ 7 mil, um valor inviável para a grande parte dos americanos – quem dirá para nós, brasileiros.
E um dado é inescapável: a maioria dos pacientes são mulheres. Isso expõe como a pressão estética segue sendo profundamente desigual, ainda que disfarçada sob a ideia de “naturalidade”.
Curiosamente, a nova obsessão com dentes “reais” evoca uma nostalgia dos anos 90, uma época com padrões supostamente mais simples. Mas o paradoxo é evidente: a busca pela autenticidade está agora entre os procedimentos mais caros e tecnologicamente avançados.
Estamos diante de um momento inédito, em que a tecnologia não busca superar a natureza, mas imitá-la com precisão. Isso nos convida a refletir: qual é o verdadeiro preço da autenticidade em uma era em que até as imperfeições são cuidadosamente desenhadas?
O futuro do sorriso perfeito parece estar no quase perfeito. Resta saber se esse ideal representa uma libertação dos antigos padrões ou apenas uma forma ainda mais sofisticada – e onerosa – de pressão estética.