Tenho me flagrado em uma situação recorrente: estou com minha filha, mas minha atenção está dividida com o celular. Seja verificando mensagens, e-mails ou navegando no Instagram… E lá estava eu, pela milésima vez, prometendo a mim mesma que pararia com isso. As razões são claras: quero aproveitar plenamente o momento com ela, reconheço que não é apropriado usar o celular durante nosso tempo juntas, e percebo que meu comportamento involuntariamente incentiva sua fascinação por esse aparelhinho brilhante, mesmo que ela não tenha acesso direto a ele.
Mas aí, refletindo aqui, a real é que a questão vai muito além do tempo perdido. Comecei a perceber que não é apenas sobre estar distraída, mas sobre estar constantemente vigiada – e, surpreendentemente, ser a própria vigilante.
Comparamos frequentemente as mídias sociais ao estado de vigilância de Orwell em 1984, mas há uma diferença crucial: nossas telas não existem para nos monitorar, mas para monitorarmos uns aos outros. Não há um estado totalitário por trás das nossas telas impondo ordem social; em vez disso, as telas nos transformam em supervisores do comportamento uns dos outros.
Lembro-me vividamente da emoção de ganhar meu primeiro iPhone – parecia mágica ter todas aquelas possibilidades na palma da mão. Mal sabia eu que aquilo tinha sido projetado não apenas para me manter conectada, mas para me transformar em parte de um gigantesco sistema de vigilância mútua.
No trabalho, as fronteiras entre o profissional e o pessoal simplesmente sumiram. Estou sempre disponível, sempre conectada, sempre observando e sendo observada. O celular facilita muita coisa, é verdade, mas às vezes me pergunto se não estamos pagando um preço alto demais por essa conveniência.
Nas mídias sociais, nos tornamos a plateia uns dos outros, julgando à distância. Viramos coletores de dados uns dos outros, sabendo quem foi onde, quando e com quem, quem namora, quem se divorciou, quem está grávida, que mudou de trabalho e por aí vai… Até nos tornamos opressores digitais uns dos outros: formamos uma percepção limitada de quem pensamos que alguém é com base no que ela posta, e quando faz algo que não se conforma à imagem imposta, a punimos. “Você falhou.” “Eu era fã, mas você foi longe demais.” “Deixei de seguir.”
É curioso como o celular se tornou uma extensão do nosso corpo, e as mídias sociais, uma extensão da nossa identidade. A sua onipresença afeta até nossas experiências mais básicas. Esperando o ônibus? Celular. Comendo sozinha? Celular. Na sala de espera do médico? Celular… O aparelho surge automaticamente em momentos de espera ou quando estamos sozinhos, roubando oportunidades de presença, observação e reflexão.
Outro dia, em um show, fiquei observando as centenas de pessoas ao meu redor. Todo mundo filmando, fotografando, postando. Me perguntei: será que alguém realmente assiste a esses vídeos depois? – eu mesma já me peguei fazendo isso, só que eu nunca acesso àqueles conteúdos depois, ficam perdidos na vastidão do armazenamento digital, como lembranças empoeiradas em uma gaveta virtual.
Me pergunto: o que nos impulsiona a esse comportamento quase compulsivo? Será o medo de perder o momento, ironicamente nos fazendo perder o momento real enquanto tentamos eternizá-lo? Ou talvez seja a necessidade de validação, de provar para um público invisível – e para nós mesmos – que estivemos lá, que vivemos algo digno de nota?
A questão é: dá para estar realmente presente se você está preocupado em registrar tudo para um público invisível?
As mídias sociais nos seduzem, aproveitando-se do nosso medo de ficar de fora e da nossa solidão, enquanto os tornam ainda piores. Muitos de nós não têm mais amigos; temos seguidores. Não nos importamos profundamente com a vida uns dos outros; nós as consumimos como conteúdo. As mídias sociais são desgastantes porque nos fazem pagar com nossa atenção, afeto e elogios a pessoas que não se importam conosco.
Felizmente, parece que não sou a única a pensar nisso. Na Holanda, por exemplo, estão surgindo eventos onde é proibido usar celular. No Reino Unido e em São Paulo, há um movimento crescente de pais e educadores tentando adiar a idade em que as crianças ganham seu primeiro smartphone. E com razão! Os casos de depressão e ansiedade entre adolescentes dispararam desde que esses aparelhos se tornaram onipresentes.
No Brasil, os números são alarmantes. A facilidade com que as crianças fazem amizades na escola caiu drasticamente nos últimos anos. Não estamos perdendo apenas as habilidades sociais, mas até a capacidade de ficar entediados! E, convenhamos, o tédio tem seu valor. Como vão surgir ideias novas se nossas mentes nunca têm um momento de calmaria, sempre preocupadas com a próxima postagem ou curtida?
Será que 2024 será o ano em que finalmente daremos um basta nisso? Vejo que os “dumbphones” (aqueles celulares mais simples) estão voltando à moda. Talvez seja um sinal de que estamos prontos para uma mudança, para escapar desse panóptico digital onde nosso status, reputação e popularidade são constantemente pressionados a se conformar a um avatar – uma versão de nós mesmos que nem é real.
No fim das contas, o desafio é encontrar um equilíbrio. Usar a tecnologia a nosso favor, sem deixar que ela roube nossos momentos, nossas conexões reais, nossa privacidade. Porque, sejamos honestos, nada substitui um olho no olho, uma conversa de verdade, um momento genuíno com quem amamos – longe das lentes da vigilância digital.
E você, já parou para pensar na sua relação com o celular e as mídias sociais? Talvez seja hora de todos nós fazermos uma pausa e refletirmos: como podemos usar a tecnologia de forma mais consciente, preservando nossa capacidade de estar verdadeiramente presentes, autênticos e livres nos momentos que realmente importam?
Lembre-se: a fuga final é vertical, não horizontal. Não deixe que a comparação social nas mídias digitais faça você perder de vista o que realmente importa para você. Olhe para cima, não para os lados, para os feeds infinitos de vidas fabricadas.