O tema de hoje está fervendo nas redes — e, claro, não poderia ficar de fora da nossa EYN. Já ouviu falar em “F*ck Around and Find Out” aplicado à criação de filhos? Pois é. Se ainda não caiu no seu feed ou newsletters, senta que eu te explico.
Pra começar do começo, vale voltar algumas casas no tabuleiro das tendências parentais. Primeiro veio o gentle parenting: a tentativa — nobre, exigente e, sejamos honestos, exaustiva — de criar filhos com escuta ativa, empatia, regulação emocional e limites firmes, mas gentis. Um movimento que ganhou tração nos últimos 15 anos, embalado pelo boom dos perfis de pedagogas e psicólogas no Instagram, e que se tornou a resposta afetiva e consciente aos traumas de gerações criadas na base do grito, do castigo e da palmada.
Mas agora, o pêndulo balança e a internet está abraçando um novo mantra de criação: FAFO — abreviação de Fuck Around and Find Out (algo como “pague pra ver” ou “aprenda do jeito difícil”). A lógica é simples: você avisou, a criança não ouviu? A consequência vem. Não como um castigo emocional, mas como uma dose crua de realidade.
Não quis comer? Dorme com fome. Jogou o brinquedo no chão de novo? Procura no lixo. Esqueceu a capa de chuva? Vai tomar chuva, ué. É a volta da parentalidade “à moda antiga”, mas com um verniz millennial, memes no TikTok e um nome digno de camiseta de banda.
Tá, mas se o pêndulo virou, fica a pergunta: onde o gentle parenting deu errado?
Para os pais que abraçaram o discurso do vínculo e da escuta e, ainda assim, terminaram com filhos que cuspiam na cara do esforço deles, a frustração é real. O FAFO surge como resposta a um tipo de cansaço: o de quem tentou ser emocionalmente disponível, mas acabou se sentindo refém das emoções dos próprios filhos.
Em vez de gritar, você respira fundo, abaixa, olha nos olhos e diz “percebo que você está frustrado porque o suco não era de morango”. A criança grita de volta. Você propõe um novo combinado. Ela cospe. Você dá colo. Ela te bate. Você pensa em todas as threads da “Psicóloga da Calma” no X e sente vontade de gritar com ela. A promessa era: seja a pessoa emocionalmente regulada que você queria ter tido. Mas… e se isso não estiver funcionando?
O FAFO não é só um backlash. É uma tentativa de devolver à disciplina o status de ferramenta formativa. Os pais FAFO se colocam como guias do mundo real, não como escudos emocionais. Eles dizem: o mundo não vai te acolher se você esquecer o casaco. Então talvez eu também não.
Mas a linha entre consequência e punição nem sempre é clara. E o risco de repetir padrões autoritários disfarçados de “bom senso” é grande. Afinal, jogar o filho na lagoa porque ele atirou água de brinquedo pode render boas risadas — e curtidas —, mas também pode deixar marcas que não aparecem.
Essa tensão escancara o dilema de uma geração que quis fazer diferente — e está esbarrando nos próprios limites. É possível criar com firmeza sem ferir? Dar consequência sem vingança? Cuidar da saúde mental dos filhos sem abandonar a sua?
Os comentários nos posts sobre FAFO parenting escancaram esse impasse com ironia, crítica e uma boa dose de déjà vu cultural:
“90’s kids style of parenting renaissance 🤌🏽”
“So… Hispanic parenting? Welcome 😂”
“Nada novo pros pais asiáticos ❤️😂”
“Amamos esse circle back, mas já vivemos isso nos anos 80, tá?”
“Parece mais uma romantização da parentalidade reativa.”
Entre as respostas, um consenso implícito: isso tudo não é novo. É só a volta, em nova embalagem, de práticas comuns nas infâncias de quem cresceu com chave no pescoço (oi, latchkey kids!), liberdade forçada e pouca supervisão emocional. Muitos desses adultos se dizem “resilientes”, mas sempre com um certo sarcasmo na voz.
E aí mora a ambiguidade. O FAFO soa libertador para pais esgotados pela vigilância emocional constante, mas também acende o alerta: disciplina sem ensino é só punição. Jogar o filho na água por ter desrespeitado um limite pode parecer educativo, mas talvez o que ele precise mesmo seja uma conversa sobre consentimento e respeito ao corpo do outro.
E como também lembram por lá: gentileza não é permissividade. Assim como autoridade não precisa ser dureza.
Como quase tudo no universo parental, talvez a resposta esteja num lugar mais incômodo: o meio. Nem o autoritarismo emocional dos tempos do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, nem a utopia do vínculo 100% do tempo. Como disse Becky Kennedy, a psicóloga queridinha dos millennials: “Os pais estão se sentindo aprisionados num ideal impossível de gentle parenting. Mas a resposta não é endurecer, é encontrar equilíbrio.”
Ou, talvez, aceitar que nenhum método nos salva da verdade mais brutal da maternidade/paternidade: nós vamos errar. Só precisamos errar com menos medo e mais consciência.