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Barcelona, Mallorca, Amsterdã, Tokyo não querem você!

Ibiza e Mallorca dizem não aos turistas que vêm para se divertir; Japão bloqueia a vista icônica do Monte Fuji para impedir o mau comportamento dos turistas; milhares de pessoas se manifestam nas Ilhas Canárias, na Espanha, contra o turismo de massa; Kyoto proíbe a entrada de turistas em partes do distrito das gueixas em meio a relatos negativos… essas são só algumas das últimas notícias relacionadas à turistas se comportando de forma inapropriada e movimentos para contê-los. 

Está ficando cada vez mais claro que existe uma diferença crescente entre a expectativa dos turistas e recepção dos locais nos destinos mais populares do mundo e isso tem sido latente com a aproximação da alta temporada de viagens no hemisfério norte. Muitos moradores de lugares com excesso de turismo estão se tornando cada vez mais expressivos sobre o tipo de turista que querem em suas ruas – e o tipo que não querem. Na lista do sim: turistas que gastam dinheiro nas lojas locais, impulsionam a economia local e se comportam de forma respeitosa. Na lista dos que não querem: turistas beberrões – geralmente britânicos – que se comportam mal, desrespeitam as tradições locais e afetam negativamente a vida e o estilo de vida locais.

É triste ver as muitas manchetes sobre turistas mal comportados ao redor do mundo – dois americanos bêbados invadiram uma área fechada da Torre Eiffel e dormiram no topo; uma francesa foi presa por esculpir um coração na Torre de Pisa; um adolescente canadense danificou um templo japonês de 1.200 anos, enquanto um homem de Bristol gravou nomes no Coliseu de Roma e alegou desconhecer a idade do monumento; um turista alemão invadiu uma apresentação em um templo sagrado de Bali, se despiu e deixou dívidas em vários hotéis locais e por aí vai… 

Mas a realidade é que tudo isso não é uma novidade!  Desde que as pessoas viajam, existem muitas que se comportam mal. De acordo com Lauren A Siegel, professora de turismo e eventos da Universidade de Greenwich, em Londres, ainda nos séculos 18 e 19, era comum que os nobres britânicos que faziam o Grand Tour pela Europa menosprezassem e desconsiderassem as pessoas e os lugares que estavam visitando. 

A diferença agora é que estamos cada vez mais conscientes de relatos sobre viajantes que se comportam mal, uma tendência que pode, de certa forma, ter um impacto positivo. À medida que esses incidentes se tornam mais frequentes, nossa indignação coletiva cresce, possivelmente sinalizando um momento de correção de comportamento para os turistas indisciplinados. Esse foco renovado nos viajantes rudes reflete uma evolução natural dos movimentos sociais recentes, impulsionada pela crescente conscientização sobre privilégios e respeito às diferentes culturas. 

Tá, mas se tem essa evolução, por que continuam a se comportar mal? Simples: o desejo de muitos viajantes de obterem likes e visualizações nas redes sociais, levando-os a adotarem ações mais extremas para ganharem destaque no Instagram ou TikTok. De maneira irônica, enquanto alguns buscam a fama virtual, contas populares como a Passenger Shaming são usadas para expor e criticar essas atitudes desrespeitosas, destacando a importância crescente de responsabilidade e respeito ao viajar.

Como resposta, este ano, em Barcelona, as autoridades locais tomaram a medida incomum de remover uma rota de ônibus do Google Maps para impedir que os turistas subam a bordo, expulsando os moradores mais velhos do trajeto. Nas Ilhas Baleares da Espanha, famosas por destinos de vida noturna como Ibiza e Magaluf, restrições ao consumo de álcool entraram em vigor em uma tentativa de recuperar o controle sobre suas ruas desordenadas. Na badalada Veneza, começaram a ser cobradas taxas dos turistas que fazem passeios de um dia para tentar conter o fluxo interminável de visitantes. E Bali anunciou recentemente uma nova taxa de turismo após uma série de incidentes envolvendo visitantes que profanaram locais sagrados e se comportaram de forma desrespeitosa.

O setor de viagens está se recuperando após a pandemia, com muitos destinos quebrando recordes de turismo. O Conselho Mundial de Viagens e Turismo prevê um ano recorde para o turismo em 2024. Por exemplo, a Espanha, que registrou um recorde de 85,1 milhões de visitantes internacionais no ano passado, espera receber ainda mais turistas neste ano. Apesar do otimismo das autoridades de turismo, tal aumento levanta preocupações sobre seus impactos locais.

Para Antje Martins, instrutora do Global Sustainable Tourism Council (Conselho Global de Turismo Sustentável) e candidata a doutorado na disciplina de turismo da University of Queensland Business School, trata-se de uma questão de melhor gerenciamento, não de um tipo melhor de turista. 

“Quando os habitantes locais culpam os turistas pelo mau comportamento, não se trata de turistas, mas sim um sinal de que a gestão do turismo falhou.”

Seguindo o mesmo raciocínio, Sebastian Zenker, especialista em overtourism, reforça que a discussão não é sobre o tipo certo de turista e sim de garantir que a população local se beneficie do turismo. Ele destaca que em lugares como as Ilhas Canárias, onde uma parcela significativa da população vive na pobreza, os benefícios econômicos do turismo muitas vezes não chegam aos habitantes locais. Não se trata apenas de atrair turistas bem-comportados e que gastam muito, mas de saber para onde vai o dinheiro. Se os habitantes locais puderem ganhar bem e ver melhorias na infraestrutura com o turismo, poderá haver uma coexistência saudável.

Para promover um comportamento mais responsável, muitos lugares implementam compromissos de turismo destacando práticas aceitáveis. Por exemplo, a Islândia pede aos turistas que evitem dirigir off-road e usar a natureza como banheiro, enquanto as ilhas de Palau têm um compromisso escrito por crianças, incentivando os visitantes a proteger sua terra natal. Além disso, campanhas publicitárias, como “Stay Away” de Amsterdã, visam desencorajar comportamentos inadequados, como festas excessivas de despedidas de solteiro na cidade. 

Enfim, é crucial reconhecer que o sucesso do turismo não deve ser medido apenas pelo número de chegadas, mas também pelo impacto positivo que gera nas comunidades anfitriãs. É imperativo que os esforços se concentrem não apenas em atrair turistas bem-comportados, mas também em garantir que o turismo beneficie verdadeiramente as populações locais, promovendo um desenvolvimento sustentável e uma coexistência harmoniosa entre visitantes e residentes. Afinal, no fim das contas, para as pessoas que vivem nos destinos, esse é o seu lar.

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