Recentemente, me deparei com uma realidade chata: como é difícil fazer as pessoas aceitarem que você não está bebendo álcool – caras feias, expressões de dúvida e até questionamentos como: ‘você tá grávida?’ rolaram. Me gerou um incômodo notar que dizer para os meus amigos que eu não estava bebendo (mesmo que provisoriamente) podia de fato ter um enorme impacto na minha vida social, indo muito além do impacto na minha saúde física e bem-estar emocional.
Eu mesma, que já testemunhei isso acontecer com outras pessoas bem diante do meu nariz, e nunca dei muita bola, dessa vez fiquei matutando como deve ser difícil para aqueles que possuem um problema ainda mais sério com a bebida. Pensei em um grupo de adolescentes que começam a beber, mas um deles não se sente pronto; pensei naquela pessoa que está determinada a começar uma dieta radical, porque precisa perder alguns kgs; pensei naqueles que sofrem de muita ressaca no dia a dia; os que sofrem ainda mais de ansiedade e depressão pós bebedeira…e em todos aqueles que sofrem de fato com essa pressão. Me questionei o porquê disso rolar com um olhar curioso.
Primeiro considerei o fato de sermos fundamentalmente animais sociais tribais que ao longo do tempo desenvolveu uma tendência de conformidade com as normas sociais dentro de nossos círculos sociais, já que isso facilita a inserção e a aceitação por nossos pares – para que possamos nos beneficiar de seu conforto e proteção. Portanto, se agimos de forma contraditória às normas sociais, outros poderão se sentir na defensiva ou até inseguros sobre e, numa tentativa de corrigir este desequilíbrio percebido, passam a influenciar os comportamentos de outro, e reintegram isto como uma norma social aceita.
Além disso, pensei o quanto essas pessoas que julgam, gostariam justamente de conseguir fazer o que eu estava fazendo: parar de beber e/ou reavaliar a própria relação com a bebida. Bem ali, quando falei, ‘não, hoje não vou beber’, era como se estivesse segurando um espelho na frente daquele que julgava.
O álcool se tornou uma parte de nossas vidas de tal forma que quando não se bebe, ele se torna uma barreira para fazer parte da própria comunidade – é triste pensar que a escolha de não beber pode ser solitária. Um estudo piloto envolvendo a Universidade de Stirling e a campanha One Year No Beer descobriu que mais de quatro em cada cinco pessoas no Reino Unido sofreram pressão de amigos para consumir álcool. Metade das 1.697 pessoas pesquisadas admitiu ter sido pressionada a beber álcool por colegas e familiares, sendo que duas em cada cinco relataram ter sido encorajadas por seu parceiro.
Inclusive, aqui no Reino Unido, a cultura de happy hour nos pubs é muito forte e claramente acaba por excluir e pressionar muitas pessoas, como aquelas que não bebem por motivos de saúde ou religiosos, alcoólatras em recuperação e pessoas que precisam voltar para casa para cuidar dos filhos ou outros dependentes. Um estudo de 2019 descobriu que quando empregadores ou supervisores organizam eventos para beber, os funcionários se sentem obrigados a participar.
Enfim, esse é um desabafo e pedido por menos ‘só uma tacinha, só um golinho, só para brindar”. Beber ou não beber não deveria incomodar ninguém. Chato mesmo é quem não sabe a hora de parar.
Ah, e adoraria saber a sua opinião sobre o assunto, me escreve aqui. 🙂
Mais:
Descobri a jornalista, Julia Bainbridge, celebrada por seu trabalho de “normalizar a não ingestão de álcool”. Seu livro “Bons Drinks”: Receitas Sem Álcool para Quando Você Não Está Bebendo por Qualquer Motivo” foi nomeado um dos melhores livros de culinária de 2020, pelas revistas LA Times, Wires and Esquires, e ajudou a desencadear um movimento que ainda está ganhando força.
4 respostas
Amei o artigo!
Também amei, é simplesmente algo que faz parte das decisões pessoais de alguém e não deveria ser questionado. Ao ressignificar minha relação com o álcool, entender minhas prioridades, o efeito que ele tem em mim, percebi que em alguns momentos simplesmente não faz sentido beber. E o incômodo social que isso gera muitas vezes já me fez ceder e deixar meus objetivos e prioridades de lado. Que em 2023 agt ligue menos pra o que os outros pensam sobre tomar ou não um drink!
Eu mesmo já fui um desses chatos, confesso. Aprendi a mudar e sempre vou lembrar desse artigo para me ajudar a nunca mais cair nessa armadilha.
Minha vida. Mas isso, felizmente, nunca me fez mudar. Perdi muitas coisas? Provavelmente. Mas ganhei do lado de quem prefere viver mais lúcido os bons momentos da vida. Hoje ainda sinto que estou fora da maioria dos grupos mas me sinto bem comigo mesma. E, quando é preciso (porque agora os aplicativos de motorista diminuíram muito essa necessidade), sou a motorista da volta dos eventos, baladas e que tais.