Apesar de o ‘dia dos namorados’ ter passado e ser uma data relevante para o comércio, é importante reconhecer que a verdadeira trend é, na verdade, ‘não ter namorado’. Sim, o foco atual está no detox masculino onde cada vez mais, mulheres estão optando por se afastar e dar um tempo dos relacionamentos com homens. Tal movimento em ascensão ganhou o nome de ‘boysober’, ou ‘sobriedade masculina’, em tradução livre.
A ideia é abster-se de relacionamentos românticos para romper com padrões de namoro tóxicos e focar no crescimento pessoal. Mas não só isso, corta-se apps de relacionamento, dates e ex-namorados. O movimento começou em um show de stand-up comedy, dirigido por Hope Woodard, de 27 anos, no Brooklyn, em NY, e se expandiu para um movimento global gigantesco e de grande popularidade no Instagram e TikTok, especialmente entre as mulheres da Geração Z.
Ao escolher o termo, Hope buscou modernizar a ideia de celibato (ela odeia essa palavra), desvinculando-se da necessidade de validação masculina e reformulando-o como um caminho para autodescoberta e empoderamento. Nas palavras da própria comediante, trata-se de remover o “falso senso de validação que obtemos com namoros, relacionamentos e transas, e reorientar essa energia. O celibato vem com conotações religiosas da cultura da pureza, e muitas vezes é involuntário. Boysober? Isso é uma escolha.”
Agora, me perguntei o que poderia ter causado esse tipo de fenômeno?
Bem, a resposta é clara: apps de namoro, que lá atrás vieram com a promessa de modernizar e facilitar a busca por um par romântico e que, de fato, transformaram a cena amorosa, oferecendo conveniência, acessibilidade e a promessa de conexão com o toque de um dedo. Mas, por outro lado, também se tornaram um terreno fértil para assédio, abuso e agressão – isso inclui o recebimento de imagens sexuais não solicitadas, pedidos de imagens sexuais e o encontro com fraudadores, agressores e até mesmo perseguidores. De maneira alarmante, muitas mulheres normalizaram esse comportamento, sugerindo que era uma parte inevitável de usar aplicativos de namoro e de existir no espaço online como mulher. Portanto, a resposta a minha pergunta é: o principal motivo pelo qual as mulheres estão ‘boysober’ é que o cenário de encontros se tornou tóxico.
Ao falar em tóxico, é impossível não lembrar da polêmica campanha de marketing do Bumble – aquela em que eles espalharam outdoors com mensagens como “você sabe muito bem que um voto de celibato não é a resposta” e “você não deve desistir de namorar e se tornar uma freira” – e a enorme reação negativa nas mídias sociais. Além deste cenário de dates, atualmente, há uma maior conscientização sobre a assexualidade e suas nuances, e os direitos reprodutivos estão cada vez mais ameaçados, uma vez que o acesso ao aborto foi retirado em muitas partes do mundo e várias mulheres enfrentam punição legal por se submeterem a abortos.
Com isso, ‘boysober’ e o movimento 4B da Coreia do Sul, no qual uma mulher renuncia ao sexo e aos relacionamentos com homens como uma declaração feminista, está ganhando força entre um novo público mais jovem e até mesmo celebridades.
Lenny Kravitz anunciou recentemente sua própria abstinência sexual, e a recente declaração de Julia Fox sobre celibato como forma de “retomar o controle” lembrou uma declaração similar de Lady Gaga em 2010, quando ela afirmou que períodos de abstinência permitiam que ela fosse “forte e independente”.
A nova face do celibato
A prática do celibato não é novidade. Anteriormente, ela estava “associada a ideias religiosas de pureza e castidade”. No entanto, com a crescente conscientização sobre a assexualidade e a erosão dos direitos reprodutivos, os motivos para se abster de sexo tornaram-se “mais diversos”. Assim, a abstinência sexual — a escolha deliberada de evitar o sexo — volta a ser um tema recorrente na discussão pública.
Vários estudos indicam uma diminuição na atividade sexual entre a geração Z e os millennials em comparação com gerações anteriores. “Para mulheres que enfrentam desilusões em suas vidas amorosas e sexuais, o celibato pode ser uma escolha para se recuperar ou para refletir sobre mudanças necessárias para encontrar maior satisfação nesse aspecto.”
Explorando a hashtag “celibacy” no TikTok, encontramos uma série de vídeos, predominantemente criados por mulheres heterossexuais, que levantam questões pertinentes: por que se envolver em sexo se muitas vezes é uma experiência ruim? Por que se submeter a relações com pessoas que não demonstram respeito? Por que não se afastar até encontrar alguém verdadeiramente valioso? Essa tendência atual de abstinência sexual não é tanto uma escolha de disciplina corporal, mas sim uma resposta ao descontentamento com o mundo dos encontros na era digital.”
O declínio do uso de apps de namoro tem sido constante
A grande maioria dos jovens não está mais usando aplicativos de namoro, de acordo com um novo estudo. Em uma pesquisa da Axios com cerca de 1.000 estudantes universitários e de pós-graduação dos EUA, 79% disseram que não usavam nenhum aplicativo de namoro, “mesmo que fosse apenas uma vez por mês”. Esse aparente desinteresse pode explicar, de certa forma, uma “queda” no preço das ações de algumas das maiores empresas do setor de namoro on-line, incluindo o Match Group, que é proprietário do Tinder e do Hinge.
Essa tendência representa um desafio crescente para essas empresas, especialmente com mais de 90% da geração Z, expressando frustração com tais apps, conforme relatado pela agência de pesquisa para jovens, Savanta.
O clima de medo instaurado não apenas corrói a confiança, mas também prejudica o objetivo fundamental dos apps de namoro como espaços de interação genuína. Segundo a pesquisa da Dra. Lisa Portolan, acadêmica da University of Technology Sydney e autora de vários livros, incluindo “Love, Intimacy and Online Dating: How a Global Pandemic Redefined Intimacy”, para muitas mulheres, o trauma de estar em aplicativos de namoro não vale o potencial de encontrar um parceiro – e muitas indicam que não estão dispostas a sacrificar sua saúde mental ou física.
Enfim, a ascensão do movimento ‘boysober’ reflete não apenas uma mudança nas dinâmicas de relacionamento, mas também uma rejeição consciente de um cenário de encontros tóxico, exacerbado pela proliferação de aplicativos de namoro. O desejo por autodescoberta e empoderamento impulsiona as mulheres a se afastarem de relacionamentos românticos, bem como de espaços digitais onde a segurança e o respeito são frequentemente comprometidos. Essa tendência, além de ser uma reação momentânea, é uma redefinição dos padrões de conexão e intimidade, desafiando a noção convencional de que estar em um relacionamento é o único caminho para a realização pessoal.
E aí, você já tinha escutado falar? Conhece alguém que aderiu ao ‘boysober’?