#185

Brain Rot e a arte de abraçar o caos digital

Existe algo meio poético em “brain rot” (podridão cerebral) ter sido escolhida como a palavra do ano de 2024 pelo dicionário Oxford. É como se finalmente tivéssemos admitido coletivamente: sim, nossos cérebros estão um pouquinho derretidos, e tudo bem.

A história dessa expressão é fascinante. Ela apareceu pela primeira vez em 1854, quando Henry David Thoreau, vivendo sozinho numa cabana no meio do mato (já pensou que paz?), escreveu em “Walden”: “Enquanto a Inglaterra se esforça para curar a podridão da batata, ninguém se esforçará para curar a podridão do cérebro, que prevalece de forma muito mais ampla e fatal?”

Thoreau ficaria chocado ao descobrir que, 170 anos depois, não só não curamos o “brain rot” como o transformamos em uma medalha de honra. O que começou como uma expressão para criticar o consumo excessivo de conteúdo digital virou praticamente um distintivo de honra para a galera mais jovem. É como se fosse aquele momento em que seus pais falavam “vai derreter seu cérebro!” quando você passava horas jogando videogame, e você respondesse “sim, e tô adorando!”

A verdade é que o fenômeno brain rot diz muito mais sobre como nos comunicamos hoje do que sobre qualquer deterioração mental real. É tipo aquele momento em que você percebe que passou três horas vendo vídeos de gatinhos ou repetindo frases aleatórias do TikTok (“I like my suitcase!”, alguém?) e, em vez de se sentir culpado, você abraça o caos – o uso do termo cresceu 230% no último ano, mas não como crítica – e sim como uma forma de auto ironia da Geração Z. Como falou Casper Grathwohl, presidente da Oxford Languages, é um fenômeno em que os jovens estão “zombando das tendências linguísticas do TikTok quase imediatamente depois de terem criado essas mesmas tendências”. 

E não é só “brain rot”. 2024 foi o ano em que as palavras antigas voltaram com tudo, mas com significados totalmente novos – tipo calça boca de sino voltando à moda. “Demure” (recatado) virou viral depois que uma influencer usou para descrever sua maquiagem. “Lore” (conhecimento tradicional) agora é usado para falar sobre teorias de fãs sobre celebridades. Até “slop” (restos de alimentos misturados com líquidos, geralmente usados como ração para porcos) ganhou um novo significado para descrever conteúdo de baixa qualidade gerado por IA.

Mas talvez o mais interessante seja como essa aparente “deterioração mental” está na verdade criando novas formas de conexão. Professores estão usando memes para explicar conceitos complexos. Um estudante da Columbia criou uma ferramenta que traduz textos acadêmicos para a linguagem da internet – e 200 mil pessoas já usaram.

É uma revolução silenciosa da linguagem acontecendo em tempo real. Enquanto linguistas do passado levavam décadas para documentar mudanças no jeito de falar, hoje vemos gírias nascendo e morrendo no espaço de uma semana. Uma trend no TikTok pode criar um vocabulário inteiro que, mesmo efêmero, deixa suas marcas no jeito como nos expressamos.

No fim das contas, “brain rot” é menos sobre nossos cérebros estarem derretendo e mais sobre como encontramos formas criativas de lidar com o tsunami de informação digital que é viver em 2024. É nossa maneira de dizer “ei, estamos todos juntos nesse barco meio doido”.

E você, já abraçou seu momento brain rot hoje? Se pegou explicando algo sério usando meme? Entendeu todas as referências deste texto? Então sinto informar que você já é parte do clube. Bem-vindo! 

*P.S.: Se você está se perguntando se ler sobre “brain rot” contribui para seu próprio “brain rot”… bem, como diria Grathwohl, as melhores palavras do ano são aquelas ligeiramente contraintuitivas que nos fazem pensar. Então vamos considerar isso um exercício mental, ok? 

Direitos reservados Eat Your Nuts