Vivemos uma era em que o cheiro deixou de ser um traço de personalidade para se tornar uma interface de estímulo, calibrada para provocar microdescargas de dopamina em ambientes saturados de plástico emocional. O novo desodorante não promete frescor, promete viralização. A ducha matinal não é mais rito de limpeza, é soft launch sensorial, uma prévia do mood board olfativo que será exibido ao mundo. E o cheiro da vez não é jasmim, nem âmbar, nem almíscar: é donut, cupcake, sorvete de baunilha, milkshake de infância embalado a vácuo para consumo performático. O corpo virou notificação push de açúcar.
Esse movimento não nasce da doçura, nasce do colapso. O algoritmo ensinou o mercado que não é o luxo que engaja, é o gatilho afetivo. O cheiro comestível funciona como clickbait para o nariz: direto, literal, imediato, impossível de ignorar. Não sugere uma narrativa, interrompe. O gourmand hiper-realista não quer seduzir: quer capturar atenção no mesmo regime cognitivo do feed infinito. Enquanto a timeline nos bombardeia com trends a cada 6 segundos, o banho vira campo de batalha sensorial: um donut aromático contra a ansiedade matinal, um body mist de birthday cake contra a percepção de falência existencial.
O hiperestímulo se normalizou a tal ponto que cheirar à confeitaria não parece absurdo, parece coerente com a lógica do excesso. Na economia da atenção, tudo precisa ser mais intenso, mais doce, mais explícito para atravessar a fadiga perceptiva. Se antes o perfume era sobre sugestão, agora é sobre dar nome ao cheiro: cookie, frosting, syrup. É o colapso da metáfora. A fragrância não narra, notifica. Não convida, impõe. É dopamina embalada em frasco limitado, com collab licenciada e fila de espera digital.
Marcas entenderam que a nostalgia é o último ativo sem inflação emocional. Quando o presente está saturado de incerteza, o mercado nos oferece um teletransporte olfativo para a infância, mas com QR code. Não importa se você nunca entrou em uma padaria americana de East Hampton: agora você pode literalmente esfregar essa fantasia na pele. A identidade se tornou plug and play. A memória, terceirizada. O desejo, pré-formatado para caber em um Reels de 30 segundos.
Enquanto isso, o cheiro se torna campo de tensão social: o que para alguns é acolhimento, para outros é ataque. A polarização olfativa é a versão perfumada da guerra cultural. Não estamos discutindo fragrâncias, estamos debatendo controle sensorial, invasão de espaço e direito à neutralidade. Cheirar a donut em um metrô lotado é o perfume equivalente a enviar um áudio de 4 minutos: uma captura forçada de atenção alheia. O gourmand é o soft power do excesso.
No fim, o sucesso desses produtos não revela uma tendência “divertida”, nem um gosto coletivo por confeitaria. Revela um colapso: o olfato foi sequestrado pela lógica do feed. As marcas não vendem cheiro, vendem anestesia. Não entregam perfume, entregam dopamina. E nós, consumidores de alta performance sensorial, seguimos borrifando açúcar na pele como quem aperta “refresh” na própria percepção de prazer.
Fonte: máteria do WSJ