O New York Times publicou recentemente uma reportagem sobre divórcio na geração Z. O título parecia simples: jovens já não veem o fim de um casamento como fracasso. Mas o que está acontecendo vai além da anedota. O divórcio, para quem nasceu num mundo mediado por redes sociais e discursos terapêuticos, não é apenas uma separação, é um rito de passagem, uma atualização de identidade.
Essa lógica de transformação está presente em símbolos como os “divorce rings”, em posts confessionais no TikTok e em uma linguagem cada vez mais moldada pelo vocabulário da psicologia pop. Para muitos, o divórcio não é um trauma a ser escondido, mas um gesto de coragem a ser compartilhado. É um “pivot”, um movimento de ajuste narrativo, como se a vida fosse uma sequência de capítulos curados, cada um com sua estética própria.
O que sustenta essa mudança é um sistema cultural mais amplo. Identidade, hoje, é fluida; visibilidade é moeda; autonomia é moralizada. Nas redes, onde cada gesto se inscreve em performance, não surpreende que o fim de um casamento se torne conteúdo: mais uma chance de se apresentar ao mundo com um novo “eu”. Mas nesse processo, algo se perde. Relações duradouras exigem não apenas momentos de reinvenção, mas também o trabalho invisível de tolerar o que não muda — conviver com a diferença, sustentar a frustração, permanecer mesmo quando não há resolução imediata.
Um estudo de Harvard com casais de mais de 30 anos juntos mostrou que o que mantinha essas uniões não era compatibilidade romântica ou interesses em comum. Era a capacidade de aceitar as partes inalteráveis do outro. Esses casais não buscavam transformar constantemente seu parceiro; aprendiam a deixar passar pequenas discordâncias, recuperavam-se rápido dos conflitos e se viam como uma equipe diante das dificuldades externas. Em outras palavras, o que segurava as relações não era glamour, mas resiliência.
Esse contraste ilumina a tensão cultural do presente. Para a geração Z, divórcio pode ser um gesto terapêutico, estratégico até. É uma forma de autocuidado que ressoa com valores contemporâneos de autenticidade e transparência. Mas, ao mesmo tempo, a pressão para transformar tudo em narrativa pública, em um “novo começo” esteticamente validado, pode restringir os espaços de silêncio, luto e reparo emocional. O risco é que a relação se torne apenas mais uma arena de performance identitária.
E se pensarmos no futuro, essa lógica tende a se intensificar. Startups como a Friend já oferecem dispositivos de IA que ajudam a narrar experiências cotidianas em tempo real. Hoje é um wearable; amanhã pode ser um assistente emocional que fornece roteiros para terminar relacionamentos, sugerir palavras de despedida ou até criar rituais simbólicos de fechamento. Serviços legais, wellness brands e até linhas de moda já começam a se organizar em torno dessas “identidades pós-relacionamento”. O divórcio não é mais apenas jurídico ou íntimo, é também um produto cultural.
O que está em disputa, portanto, não é só a normalização do divórcio, mas a redefinição do que significa crescer emocionalmente. Para alguns, a coragem está em sair; para outros, a subversão está em permanecer. Em uma cultura em que a solidão é crescente e a permanência é opcional, talvez o ato mais radical não seja reinventar-se após cada ruptura, mas resistir à tentação de recomeçar sempre e apostar naquilo que não cabe em uma estética: o trabalho silencioso de ficar.