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Corrida pela sobrevivência: a nova maratona da Nike

Em 2016, a Nike era imbatível – vendia 26 tênis por segundo e dominava 96% do mercado de revenda. Hoje, após perder mais de 50% do valor de suas ações em três anos, a gigante do esporte enfrenta um momento crucial que, curiosamente, ecoa sua própria história de origem narrada em “Shoe Dog”, a biografia do Phil Knight e um dos meus livros favoritos.

A virada digital que virou armadilha

Em 2020, John Donahoe assumiu o comando com um currículo impressionante: 20 anos na Bain & Company, chegando à presidência em 1999. Sua visão transformadora revolucionou (não necessariamente para o bem) a empresa em três frentes fundamentais. A primeira mudança foi uma simplificação drástica do portfólio de produtos, alterando décadas de diversificação estratégica. Em seguida, conduziu uma migração agressiva para o digital, rompendo laços históricos com varejistas tradicionais. Por fim, o marketing da marca, substituindo estratégias emocionais consolidadas por uma abordagem puramente orientada a métricas de performance.

Inicialmente, a estratégia parecia brilhante. Com a pandemia acelerando o e-commerce, a Nike surfou a onda digital com maestria. Mas quando a poeira baixou, as rachaduras começaram a aparecer.

O preço da transformação radical

O primeiro erro fatal foi o abandono da especialização que sempre definiu a Nike. A marca construiu seu império entendendo profundamente cada modalidade esportiva, cada atleta, cada necessidade específica. Ao reduzir todo seu universo a três categorias genéricas – homens, mulheres e crianças – a Nike perdeu sua conexão visceral com os atletas. Nesse vácuo, marcas como On e Hoka conquistaram espaço fazendo exatamente o que a Nike abandonou: especialização e foco no atleta.

O segundo golpe veio com o divórcio abrupto do varejo tradicional. A obsessão pelo e-commerce levou a Nike a romper relacionamentos comerciais construídos ao longo de décadas. A estratégia Consumer Direct Acceleration (CDA) prometia eficiência operacional e margens maiores, mas entregou um distanciamento perigoso do consumidor final.

O terceiro erro crucial foi sacrificar o valor da marca no altar dos resultados de curto prazo. O foco excessivo em promoções e vendas imediatas corroeu as margens e enfraqueceu o poder da marca, criando um ciclo vicioso de dependência de descontos que se tornou cada vez mais difícil de quebrar.

Renovação e futuro

A marca anunciou Elliott Hill como novo CEO, um veterano da casa que saiu de sua aposentadoria e retornou à marca, onde já havia trabalhado por quase 32 anos. A troca foi celebrada pelos funcionários da empresa e também pelo mercado, pois, no dia seguinte ao anúncio da mudança, as ações da marca subiram 10%. 

No fundo, essa novidade sinaliza e dá esperanças de uma reconexão com as raízes da Nike – mas com os olhos firmemente fixados no futuro. A recuperação exige um retorno à inovação autêntica, superando a dependência de modelos retrô. Demanda também uma integração inteligente entre o mundo digital e físico, abandonando a mentalidade de canais isolados em favor de uma experiência verdadeiramente integrada. 

A sustentabilidade e a responsabilidade social emergem como pilares fundamentais dessa nova era. A Nike tem a oportunidade de liderar não apenas com palavras, mas com ações concretas que transformem a indústria. O storytelling emocional, marca registrada da empresa em seus anos dourados, precisa ser reinventado para ressoar com os valores e aspirações contemporâneas.

O Phil Knight de “Shoe Dog” provavelmente veria a crise atual da Nike não como um declínio terminal, mas como mais um capítulo em uma longa história de reinvenção. Como seu próprio slogan sugere, “There is no finish line”. A empresa que começou com Knight vendendo tênis japoneses no porta-malas de seu carro enfrentou e superou incontáveis desafios através de inovação, adaptação e pura determinação.

Agora, o desafio da Nike não é simplesmente voltar ao passado, mas criar um novo tipo de excelência que honre sua herança enquanto abraça o futuro. A marca que nasceu derretendo borracha em uma máquina de waffle precisa redescobrir esse espírito inovador em uma nova era.

O sucesso futuro dependerá de uma delicada dança entre aparentes opostos. A expertise esportiva precisa abraçar a inclusividade sem perder sua essência competitiva. A presença digital deve fortalecer, não substituir, a conexão humana. A busca pela performance atlética não pode ignorar a consciência ambiental, assim como a competitividade deve caminhar lado a lado com a responsabilidade social.

A Nike não enfrenta apenas o desafio de superar uma crise – tem diante de si a oportunidade de liderar a redefinição do que significa ser uma marca esportiva no século XXI. O caminho à frente exige coragem para inovar, sabedoria para honrar o passado e visão para criar um futuro que inspire a próxima geração de atletas e consumidores.

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