A indústria da moda, conhecida por sua velocidade em lançar tendências e pela lentidão em lidar com seus impactos ambientais, parece estar prestes a atravessar um marco histórico. Como destacou o Wall Street Journal, a reciclagem de roupas em escala industrial começa a se consolidar depois de anos de promessas tímidas. Até agora, o grosso das fibras recicladas usadas pelas marcas vinha de garrafas plásticas transformadas em poliéster, enquanto toneladas de roupas pós-consumo seguiam para aterros ou incineração. Esse cenário começa a mudar com a chegada de tecnologias capazes de lidar com a mistura mais comum — e problemática — do setor: algodão e poliéster entrelaçados em uma mesma peça.
O exemplo mais avançado vem da holandesa RE&UP, que já opera duas fábricas na Turquia onde caminhões chegam semanalmente carregados de roupas descartadas da Europa. O processo inclui a retirada de zíperes e botões, trituração das peças e, em seguida, o uso de calor e químicos para separar fibras e remover pigmentos. O resultado são flocos brancos de algodão e poliéster prontos para serem fiados novamente. Hoje, a capacidade das plantas é de 80 mil toneladas anuais, e a meta é ousada: 1 milhão de toneladas até 2030, com expansão planejada para Espanha, França e, em seguida, Ásia.
A corrida não para aí. A americana Circ aposta em um método hidrotérmico para quebrar fibras, com uma planta em construção na França (capacidade de 70 mil toneladas anuais até 2028). A francesa Reju, nascida da gigante de engenharia Technip, ergue uma instalação na Holanda que deve entregar 50 mil toneladas de material reciclado em 2029, enquanto a sueca Syre — fruto da parceria entre H&M e a Vargas Investments — já opera plantas de demonstração nos Estados Unidos e prepara a expansão global, com contratos firmados com Gap, Houdini e Target.
Por mais que os números impressionem, eles ainda são pequenos frente à escala do problema: só em 2024, a produção mundial de fibras têxteis foi de 132 milhões de toneladas, sendo que menos de 1% veio de reciclagem. Ainda assim, especialistas ouvidos pelo WSJ veem uma virada. A Textile Exchange, organização que monitora a sustentabilidade do setor, aponta que existem hoje pelo menos 15 recicladoras têxtil-para-têxtil em operação ou previstas até 2028, um salto notável comparado a apenas alguns players ativos há cinco anos.
Esse avanço não vem apenas da inovação tecnológica. Ele responde a pressões múltiplas: a União Europeia finaliza regras que obrigam fabricantes a financiar a reciclagem de seus produtos; a Califórnia já aprovou uma lei semelhante para 2030; e o consumidor, cada vez mais habituado a comprar roupas de segunda mão, passa a exigir materiais com menor pegada de carbono. Grandes marcas, como Puma e Bestseller, já se comprometeram a incorporar fibras recicladas da RE&UP em suas coleções.
No horizonte, a disputa pode deixar de ser só sobre volume e eficiência: quem recicla melhor poderá se tornar parte central do marketing das grifes, assim como hoje acontece com selos orgânicos ou de comércio justo. Em outras palavras, a etiqueta de uma roupa poderá trazer não apenas o nome da marca, mas também o da recicladora responsável por dar uma segunda vida ao tecido.