Albert Einstein não era religioso, pelo menos não da forma tradicional. Para muitos, essa informação é repetida com um certo orgulho cético, como se fosse mais uma evidência de que a genialidade caminha lado a lado com o desapego aos mitos. Mas essa é apenas uma parte da história. Einstein pode não acreditar num Deus com barba branca, sentado num trono, distribuindo bênçãos e castigos. Mas acreditava — profundamente — em algo maior. Algo que ele chamava de “religião cósmica”.
Desde cedo, Einstein foi tocado por um tipo de assombro silencioso diante do mundo. Aos 12 anos, leu sofridamente a Bíblia e logo a abandonou. No lugar das escrituras sagradas, mergulhou em Kant, Spinoza e Schopenhauer. Trocou os dogmas pela filosofia e a oração pela contemplação das leis da natureza. Em vez de buscar sentido nos salmos, passou a encontrá-lo nas equações. E assim começou a desenhar, com palavras e fórmulas, uma nova forma de espiritualidade — sem santos, mas com simetrias. Sem milagres, mas com beleza.
Para Einstein, o mistério não era um obstáculo, mas uma companhia constante. Ele não precisava resolvê-lo — bastava habitá-lo. Esse senso do enigma, do incognoscível, não o afastava da ciência. Pelo contrário: era o que o impulsionava. Ele acreditava que, por trás da aparente desordem do mundo, havia uma racionalidade profunda — uma espécie de música silenciosa que regia o funcionamento do universo. A missão do cientista, então, não era controlar nada, mas escutar. Observar com humildade. Tentar se aproximar, ainda que por aproximações infinitas, de algo que talvez nunca se revele por completo.
Esse impulso é visível em todo o seu trabalho. A teoria da relatividade — com suas distorções de tempo, espaço, gravidade — não nasceu apenas de cálculos brilhantes, mas de um tipo de imaginação quase mística. Einstein imaginava-se viajando junto com um feixe de luz, observando relógios desacelerarem, campos se curvarem, partículas colidirem com poesia. Ele via a física como uma linguagem para falar do sublime. E falava com frequência sobre Deus — não o Deus das religiões, mas o Deus de Spinoza, identificado com a natureza, com a ordem, com a inevitabilidade matemática de tudo o que é. Um Deus que não premia nem castiga, mas que se revela no detalhe de uma flor, no movimento das marés, na elegância das leis da física.
Essa ideia de que somos parte de algo infinitamente maior — e, ao mesmo tempo, infinitamente impessoal — moldou sua visão de mundo. Einstein não acreditava na imortalidade da alma, nem em paraísos celestiais. Mas acreditava que pertencemos a um tecido cósmico que nos antecede e nos sucede, e que viver com consciência disso é uma forma de transcendência. Como ele próprio disse, “a experiência mais bela que podemos ter é a do mistério. É a emoção fundamental que está na raiz de toda arte e de toda ciência verdadeira.”
Há algo de reconfortante — e também de inquietante — nessa visão. Não somos o centro de nada. Não temos garantias. Não há respostas prontas. E, mesmo assim, existe beleza. Existe ordem. Existe um encantamento silencioso em olhar para o céu e saber que fazemos parte do mesmo código que rege as estrelas. Somos poeira — mas poeira que pensa, que ama, que pergunta. E isso, por si só, já é uma forma de infinito.
Einstein não nos oferece consolo religioso, mas um convite à reverência. Uma reverência não pelo sobrenatural, mas pelo natural em sua dimensão mais profunda. Talvez isso explique por que suas frases continuam sendo compartilhadas como se fossem versículos. Porque, no fundo, ele foi uma espécie de profeta às avessas — um que não prometia salvação, mas encantamento. Que não falava em fé, mas em fascínio.
Hoje, num mundo acelerado, ansioso por respostas, talvez o que mais falte seja justamente o que Einstein cultivava: o prazer de conviver com o mistério. A capacidade de contemplar, sem possuir. De buscar, sem encontrar. De maravilhar-se, mesmo sem entender. Porque, como ele dizia, “quanto mais aprendo, mais me dou conta do quanto não sei.” E, para quem sabe olhar, isso não é derrota — é revelação.