#139

Entendendo as “Sephora Kids”

Quando o assunto é skincare, sempre dizem que quanto mais cedo você começar, melhor. Isso pode até ser verdade, mas quão cedo estamos nos referindo? Para alguns adolescentes, a preocupação contra o envelhecimento da pele já está em pleno andamento. No entanto, isso seria uma escolha fundamentada ou simplesmente uma influência dos padrões de beleza virtuais, como o “instagram face” e o “filter serum”, e da cultura de beleza que capitaliza as inseguranças das meninas?

Este tópico é bastante controverso e extremamente relevante, por isso, decidi trazer a discussão. Lembro-me de cuidar da minha pele desde a infância, mas naquela época, havia poucas opções de produtos disponíveis nas farmácias (OI, Clean&Clear). Além disso, me lembro de sempre receber orientação e de consultar dermatologistas com a presença da minha mãe, utilizando produtos adequados. Portanto, não vejo problema algum em uma adolescente de 13 anos querer cuidar da sua pele, inclusive, pensando nas transformações hormonais da puberdade, faz-se necessário cuidarmos. No entanto, a falta de orientação sobre o que é apropriado para a idade de meninas adolescentes me preocupa, especialmente quando se trata de produtos contendo ácidos. 

Hoje, tudo é diferente! Quem tem navegado pelo TikTok ultimamente certamente se deparou com vídeos de meninas de 9 a 14 anos compartilhando suas rotinas de cuidados com a pele, utilizando produtos como hidratantes, ácidos e máscaras faciais. A notável popularidade desses vídeos deu origem ao fenômeno conhecido como “Sephora Kids”, inicialmente difundido nos Estados Unidos e, atualmente, também presente no Brasil. Vivenciamos uma mudança significativa, onde jovens de 10 anos se infiltram, depois da escola, na Sephora – renomada rede de cosméticos francesa – em busca de produtos que, em muitos casos, não são adequados para a sua faixa etária.

Donna Jackson Nakazawa, jornalista científica e autora de Girls on the Brink: Helping Our Daughters Thrive in an Era of Increased Anxiety, Depression, and Social Media  adverte que as idades de 7 a 13 anos são anos importantes para a formação da identidade das meninas. Comprar na Sephora, segundo ela, reflete uma tendência através da qual estamos substituindo o desenvolvimento crucial do senso de identidade e pertencimento por uma ideia mais externa e performativa de quem se deve ser. 

É fato que existe uma inclinação natural em imitar os pais e outros adultos na vida de uma criança e, para as meninas, muitas vezes, isso se manifesta na tentativa de replicar a rotina de beleza de suas mães. No entanto, a rápida expansão da indústria de cosméticos e a crescente influência de meninas e mulheres mais velhas nas mídias sociais têm o potencial de transformar esse desejo inato de imitação em algo mais perigoso.

Essencialmente, incentivar as meninas a investirem em cuidados com a pele em uma idade tão jovem obscurece a linha entre ser menina e ser mulher, corroendo os últimos anos formativos da infância. Para as marcas, isso é bom para os negócios; elas se tornam clientes fiéis em uma idade precoce, aumentando os lucros. 

DeFino, especialista na área, atribui parte do crescente interesse das meninas pelos cuidados com a pele ao colapso da mídia tradicional. Ela destaca a preocupação das jovens com o antienvelhecimento, ligando-a à homogeneidade das mídias sociais e da publicidade em streaming na atualidade. Antigamente, canais e revistas específicos para meninas apresentavam anúncios e produtos diferentes daqueles destinados a públicos adultos, mas esses espaços desapareceram, expondo todos ao mesmo marketing e preocupações.

Bom, a aquisição obsessiva de produtos para a pele por parte das meninas aponta para uma crescente ênfase na aparência desde uma idade precoce, coincidindo com a crescente preocupação com a saúde mental das adolescentes – apesar das implicações disso nas taxas de depressão em meninas nos próximos anos ainda serem incertas.

Um relatório do CDC em 2021 revelou que uma em cada cinco adolescentes do sexo feminino persistentemente experimentava sentimentos de tristeza e desesperança, indicando um aumento de 21% desde 2011. Além disso, há evidências de que os algoritmos online exploram as inseguranças das meninas, e o tempo significativo gasto nas redes sociais frequentemente resulta em comparações sociais negativas. Uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center em 2023 revelou que, aproximadamente, metade dos adolescentes descreve seu uso de mídias sociais como “quase constante”. Plataformas como Instagram e TikTok são inundadas por vídeos de “Get Ready With Me” (GRWM) que detalham elaboradas rotinas de cuidados com a pele em 12 passos, perpetuando um padrão irreal de beleza centrado em uma pele considerada “perfeita”. 

Além disso, uma pesquisa realizada em 2022 com crianças entre 8 e 18 anos descobriu que as condições da pele superaram o peso como a causa mais comum de imagem corporal negativa. Outra pesquisa de 2010 revelou que a mera imagem de um produto para melhorar a beleza faz com que as mulheres se sintam mal consigo mesmas. Quando as meninas veem constantemente produtos que melhoram a beleza nas mídias sociais, como isso afetará sua autoconfiança?

Enfim, trago luz para o tema e lembro que, com a história das meninas irem à Sephora, muitos se afastaram da questão central. O problema não são as adolescentes que compram na loja, mas sim, uma cultura de beleza que transforma as inseguranças das meninas em poder de compra. E sabemos que o ciclo só continuará à medida que essas empresas encontrarem novas maneiras de comercializar para consumidores ainda mais jovens. 

Portanto, é fundamental promover uma abordagem mais saudável em relação à beleza e incentivar a autoaceitação desde cedo, protegendo a infância da influência prejudicial da indústria cosmética.

Direitos reservados Eat Your Nuts