Envelhecer é um processo universal, mas também profundamente estranho. Em 27 Notes On Growing Old(er), Ian Leslie faz um inventário cru, irônico e filosófico sobre a passagem do tempo — e o que significa lidar com ela.
Ele começa reconhecendo algo que poucos homens admitem: envelhecer pode ser duro. Somos incentivados a dizer que estamos mais felizes do que em nossos vinte inseguros, que não trocaríamos de lugar com nosso “eu” mais jovem nem por todo dinheiro do mundo. Às vezes é verdade, mas nem sempre. Há dias em que envelhecer parece mais uma maldição, suavizada apenas pelo fato de ser compartilhada por todos.
A psicologia é implacável: depois dos 35 ou 40, cada ano traz pequenas perdas: força, agilidade, memória, beleza. A ciência confirma: todas as linhas no gráfico apontam para baixo. Podemos desacelerar, mas não parar. O milagre, diz Leslie, é que não enlouquecemos diante disso. E talvez devêssemos nos orgulhar da resiliência com que sustentamos esse jogo de autoengano.
Alguns dos seus insights são quase aforismos:
- O poeta George Oppen resumiu o choque do envelhecimento em uma frase: “Que coisa estranha acontecer com um garotinho”.
- O processo não é contínuo: ele avança em saltos bruscos, como se de repente acordássemos em um mundo diferente.
- Para quem teve sucesso precoce, a queda é ainda mais dolorosa — de “o mais jovem promissor da sala” a “um dos caras anônimos mais velhos”, sem transição.
- O tempo é elástico: aos 20, lembramos de algo “há três anos”; aos 50, repetimos “há vinte anos” sobre memórias que parecem igualmente recentes.
Leslie recorre à literatura para ilustrar esse deslocamento temporal. Em The Swimmer, conto de John Cheever, um homem atravessa piscinas vizinhas em uma tarde ensolarada e, ao chegar em casa, descobre que décadas se passaram e tudo se perdeu. Esse sentimento de descompasso entre tempo interno e externo atravessa o texto inteiro.
Outro ponto fascinante é o conceito de “idade sentida”: depois dos 40, a percepção subjetiva congela. Aos 53, ainda nos sentimos 35. É um tipo de “propriocepção da idade” que se desliga — e passamos a negociar, diariamente, entre quem acreditamos ser e quem de fato somos. A ciência mostra que, após os 70, essa diferença pode chegar a 13 anos. Mas cedo ou tarde, o corpo cobra a conta.
Com humor ácido, Leslie lembra que até Shakespeare capturou esse espanto, como em Falstaff, que reencontra velhos amigos e percebe, com choque, que a juventude só sobrevive em sua memória. Ou em Proust, quando o narrador mal reconhece seus pares envelhecidos até perceber que também faz parte daquele novo mundo.
E a tão falada sabedoria da velhice? Para Leslie, é superestimada. É verdade que acumulamos padrões e leituras do humano, mas também nos tornamos mais dogmáticos, preguiçosos e autoindulgentes. “Se não tivermos cuidado, a sabedoria nos deixa estúpidos”, escreve.
Ainda assim, ele vê resistência e até heroísmo no esforço de manter a vitalidade: desde o corpo que tenta trapacear a entropia até Mick Jagger, que aos 81 segue nos palcos ignorando o “ato da sua idade”. Essa teimosia, diz ele, redefine a própria noção de envelhecer.
No fim, Leslie nos lembra: todo dia somos o mais jovens que jamais voltaremos a ser. É uma obviedade, mas também um chamado à consciência. A alternativa a envelhecer, afinal, é pior.
Rembrandt, em seus autorretratos tardios, deixou o registro definitivo desse estado: o rosto marcado que encara o tempo com raiva, ironia e desafio. Não bonito, mas único. O único que temos.
Deixo aqui o texto para vocês lerem na íntegra, vale a pena!