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Estamos trocando vitalidade por vigilância

Nos últimos anos, o tema longevidade ganhou força e virou um grande movimento cultural e de consumo. Marcas, clínicas e especialistas prometem estender a vida por meio de tecnologia, suplementação, dados genéticos e rotinas extremamente calculadas. A saúde deixou de ser apenas equilíbrio e virou desempenho. Agora, nosso corpo é tratado como algo que precisa ser constantemente monitorado, ajustado e aperfeiçoado.

A lógica é clara: sempre existe um novo exame para fazer, um nível para corrigir, um suplemento para adicionar. Isso cria uma sensação contínua de que nunca estamos “no ideal”. Em vez de promover bem-estar, esse estilo de vida gera ansiedade e a ideia permanente de que estamos atrasados em relação ao nosso próprio corpo.

Essa mentalidade faz parte de uma tendência maior chamada otimização funcional, que aparece em tudo: das viagens que prometem “resetar” o organismo aos apps que controlam humor, sono e alimentação. A busca pela longevidade se encaixa perfeitamente nesse cenário, mas também revela um cansaço crescente. O que era para ser caminho de saúde está se tornando um projeto de autovigilância. Emily Sundberg provocou um debate no chat do Feed Me ao propor que “os anéis Oura são policiais no dedo”.

Muitos pensadores vêm criticando essa visão. Para Nikita Walia, o discurso da otimização cria um ciclo de problemas e soluções que nunca se encerra. Somos levados a acreditar que a saúde é algo que precisa ser constantemente consertado, como se o corpo estivesse sempre prestes a falhar. Inspirada por Michel Foucault, ela aponta que esse tipo de prática gera “corpos disciplinados” — pessoas que vigiam a si mesmas em tempo integral, obedecendo a um padrão que nunca é alcançado.

Essa vigilância não é imposta de fora; nós a incorporamos como responsabilidade individual. A pulseira, o anel de monitoramento, a dieta restritiva: tudo parece uma escolha pessoal, mas produz um comportamento rígido e controlado.

Ao mesmo tempo, cresce a resistência a esse modelo. O debate recente em torno do monitoramento de dados genéticos e biométricos, como no caso do leilão dos dados da 23&Me após a falência da empresa, mostra que muitos consumidores estão começando a questionar se, na tentativa de viver mais, não estamos abrindo mão da nossa privacidade e do nosso bem-estar mental.

Existe, porém, uma mudança emergente nessa conversa. Em vez de associar longevidade exclusivamente à tecnologia e controle, alguns movimentos estão propondo um olhar mais humano: viver mais significa viver com conexões verdadeiras, propósito e pertencimento.

O relatório Further Forecast, da Design Hotels, resume essa virada com uma frase central:

“A verdadeira longevidade não é apenas viver mais; é viver profundamente, ao lado das pessoas que fazem a vida valer a pena.”

Essa visão está alinhada com dados sólidos: a Organização Mundial da Saúde reconhece a solidão como um risco de saúde pública tão sério quanto tabagismo e obesidade. Estudos indicam que ter redes sociais significativas pode aumentar a expectativa de vida em até 50%. Em outras palavras, interação humana exerce um impacto concreto na longevidade — muitas vezes maior do que terapias futuristas.

Isso não significa o fim da biotecnologia ou da ciência da longevidade. O avanço continuará. Mas o eixo central dessa conversa pode mudar. Em vez de apenas prolongar a vida, o foco passa a ser qualificar essa vida: com laços fortes, convivência, afeto, senso de comunidade e saúde emocional.

O que começa a emergir é uma reação ao excesso de auto aperfeiçoamento. Uma busca não por mais tempo, mas por mais intensidade, convivência e sentido.

No fundo, a grande questão não é:
“Como posso viver até os 120 anos?”
E sim:
“Qual o valor de cada ano vivido, e com quem quero compartilhá-lo?”

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