Tendemos a pensar na fofoca como algo negativo — um vício social, um prazer culposo, ou um pecado menor. Imagens vêm à mente: reality shows, threads no X, podcasts sobre celebridades, mesas de bar onde a linha entre curiosidade e julgamento se dissolve rápido. Mas a história da palavra gossip, e o que a ciência moderna diz sobre ela, revela algo bem mais interessante.
O termo vem de godsib, usado pela primeira vez em 1014, uma fusão de god (Deus) e sib (parente). God sibling era literalmente o “irmão espiritual”: o padrinho ou madrinha que assumia um laço sagrado com alguém no batismo. Com o tempo, godsib virou sinônimo de amigo íntimo, aquele com quem se compartilhava confiança e moral. A palavra evoluiu para gossip e o ato de “gossiping” não era falar mal, mas conversar entre amigos, nutrindo o vínculo que formava a ecologia da amizade.
Em outras palavras, fofocar era um gesto espiritual: um modo de manter a comunidade unida pela conversa e pela troca. Era sobre cuidar do outro, refletir sobre o comportamento humano, criar sentido.
Séculos depois, a TIME propõe um olhar parecido, mas com base científica: segundo estudos recentes, fofocar é um ato de inteligência social. Quando falamos sobre alguém, estamos mapeando relações, testando alianças, calibrando comportamentos. É uma forma de leitura emocional e moral do grupo, um treino de empatia, estratégia e convivência. O psicólogo evolutivo Robin Dunbar, famoso por estudar o papel da linguagem nas relações humanas, descobriu que dois terços de todas as nossas conversas são sobre pessoas — sobre o que fizeram, pensam, sentem. Ou seja, sobre nós.
Mas e quando essa conversa vira espetáculo? A jornalista Kelsey McKinney, criadora do podcast Normal Gossip, tenta responder em seu livro You Didn’t Hear This From Me: (Mostly) True Notes on Gossip. Nele, ela explora a delícia, e o dilema, de fofocar. McKinney reconhece o prazer físico e imediato que sentimos ao ouvir um “você não vai acreditar no que eu descobri”, mas também se pergunta o que isso diz sobre nós. Seu livro revela o lado ambíguo da prática: a fofoca que constrói laços também pode minar reputações; a que protege pode excluir; a que entretém pode ferir.
Ainda assim, McKinney defende que há formas legítimas e até necessárias de fofocar. Quando usada para compartilhar alertas, manter a justiça dentro de grupos ou criar senso de comunidade, a fofoca cumpre uma função essencial: redistribuir poder e informação. Ela é, no fundo, uma ferramenta de coesão e de ética coletiva, a forma mais ancestral de jornalismo oral.
Essa dimensão moral da fofoca aparece muito antes dos estudos científicos. Louisa May Alcott, autora de Little Women, dedicou o primeiro capítulo do segundo volume de sua obra a um simples título: Gossip. Ela o usa como convite — um prólogo de intimidade com o leitor. “Para começarmos de novo”, escreve, “é bom começar com um pouco de fofoca sobre as March.” Alcott entende a fofoca como um gesto de amizade e aprendizado, uma forma de compartilhar humanidade, não de julgá-la.
No fundo, talvez seja isso o que esquecemos: fofocar é uma forma de interpretar o mundo. Quando bem feita, é uma conversa moral sobre como queremos viver, amar, errar e ser melhores. A má fofoca nasce quando esquecemos esse propósito, quando a curiosidade deixa de ser empática e vira consumo.
Talvez, então, o problema nunca tenha sido falar dos outros. Foi só não saber como e nem por que. Fofocar, no seu melhor, é a linguagem divina da amizade e da inteligência.