Em um mundo onde a inteligência artificial pode criar textos premiados, montar looks impecáveis e até gerar playlists personalizadas com precisão assustadora, o que resta como diferencial genuinamente humano? Por muito tempo, acreditou-se que “bom gosto” — aquele senso de curadoria refinado e pessoal — seria a fronteira final. Mas e se nem isso estiver a salvo?
Talvez a resposta esteja menos na estética e mais na energia que se sente quando duas pessoas compartilham uma conversa inesquecível. É aqui que entra o conceito de Charisma Capital, o valor social e cultural derivado da habilidade de criar conexão real, presencial e memorável.
O “bom gosto” sempre foi tratado como uma forma de capital cultural. No entanto, na era da IA, esse diferencial está ameaçado: algoritmos já conseguem replicar estilos, referências e até “assinaturas” criativas de indivíduos. Por outro lado, carisma é difícil de falsificar. Não existe IA que dance espontaneamente em um casamento ou que improvise uma piada perfeita num jantar.
A tendência conhecida como Temporal Realness, a valorização de experiências em tempo real, cresce como resposta à saturação de conteúdos pré-fabricados e manipulados digitalmente. Concertos, peças de teatro, eventos esportivos e encontros inesperados se tornam quase “bens de luxo”: únicos, não replicáveis e profundamente humanos.
Essa busca pelo “ao vivo” não é apenas nostálgica. É uma necessidade emocional num contexto em que interações presenciais estão em declínio. Dados do American Time Use Survey mostram que, entre 2003 e 2024, o tempo gasto em eventos sociais caiu pela metade — e, para jovens de 15 a 24 anos, a queda foi de 70%.
A pandemia e a hiperconectividade digital aceleraram a perda de habilidades sociais como comunicação, adaptabilidade e leitura emocional. Muitos jovens sentem ansiedade ao interagir presencialmente, preferindo a segurança da comunicação assíncrona, mensagens que podem ser editadas antes de serem enviadas.
Essa lacuna cria um cenário em que saber “trabalhar a sala” é cada vez mais raro e, justamente por isso, valioso.
Se antes o status digital vinha de likes e seguidores, agora começa a surgir uma nova forma de influência: a capacidade de reunir pessoas no mundo físico. Agências como a Offline defendem que “hosts são os novos influenciadores” — não vendem apenas produtos, mas criam pertencimento e confiança, dois recursos escassos na era do deepfake e da desinformação.
Claro que nem tudo são flores. O mesmo carisma que conecta pode ser usado para manipular. Na política, já vimos líderes cujo magnetismo pessoal superou a análise crítica de suas ideias. Em tempos de crise de autoridade, a personalidade pode eclipsar conhecimento e fatos.
À medida que aparência, conhecimento e curadoria estética se tornam replicáveis por máquinas, a capacidade de criar experiências sociais genuínas pode se tornar o verdadeiro símbolo de status.
Carisma não é apenas charme, é presença, escuta ativa, timing social e a habilidade de fazer outras pessoas se sentirem vistas. Na era da IA, talvez essa seja a forma mais rara e valiosa de capital que temos para oferecer.