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O que você lembra não é exatamente o que aconteceu

John Locke, um dos primeiros filósofos a discutir a relação entre memória e identidade pessoal, argumentou que a continuidade desta identidade depende da continuidade da memória. Segundo ele, é a memória que une as diferentes experiências de uma pessoa ao longo do tempo, criando um senso de identidade contínua.

Recentemente, voltei de férias e tive dias muito especiais ao lado de amigos e familiares. Esse período me deixou com o coração cheio de gratidão pelas novas memórias incríveis que criei, o que me levou a refletir sobre algumas questões: quanto vale uma memória? Como a valorizamos (se é que podemos)? O que sabemos sobre memória?

Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel, argumenta que experiências são lembradas de forma diferente do que são vividas. Em sua palestra no TED de 2010, “O enigma da experiência versus memória”, Kahneman explicou que temos dois “eus” – o “eu que vivencia” e o “eu que lembra”. Ele demonstrou que nossa memória de uma experiência é baseada principalmente em como ela terminou e na sua intensidade de pico, não na duração total da experiência. Por exemplo, um exame difícil pode ser lembrado como menos terrível se os momentos finais forem menos dolorosos. Da mesma forma, uma viagem pode ser lembrada como maravilhosa se terminou bem, mesmo que tenha tido momentos ruins.

Essa distinção entre experiência e memória tem implicações profundas para a economia, políticas públicas e nossa autoconsciência, pois muitas de nossas decisões são baseadas em nossas memórias distorcidas, não nas experiências reais. Heidegger e outros fenomenólogos concluíram que a memória não apenas reconstrói o passado, mas também influencia a vivência do presente e a antecipação do futuro.

Outra descoberta interessante que tive: memórias duram pouco tempo, mas se valorizam. Coisas duram muito tempo, mas perdem valor. Então, uma coisa é fato: as lembranças de experiências tendem a se valorizar com o tempo, mesmo que a experiência em si não dure muito tempo. Um show, por exemplo, pode durar apenas algumas horas, mas as lembranças dele se tornam mais valiosas ao longo do tempo. Já “coisas” físicas, como gadgets, jóias e brinquedos, tendem a durar mais, mas seu valor geralmente diminui com o tempo.

Experiências versus bens físicos podem ser vistos como ativos que se valorizam versus ativos que se depreciam. Isso ocorre, ironicamente, porque nossa capacidade de recordação é bastante falha, o que leva à síndrome dos “bons velhos tempos”, onde tendemos a acreditar que o passado foi melhor do que realmente foi.

Com o passar do tempo, tendemos a lembrar mais das coisas positivas e a esquecer as negativas. Por exemplo, em um estudo com crianças em idade escolar, elas escreveram os pontos altos e baixos de suas férias de verão em duas colunas. Inicialmente, as colunas tinham tamanhos semelhantes. Alguns meses depois, ao refazer o exercício, o lado negativo diminuiu consideravelmente, enquanto o positivo aumentou. No final do ano, o lado negativo praticamente desapareceu.

Nossas memórias mudam à medida que evoluímos; elas se tornam mais um reflexo de quem somos hoje. O que você lembra não é exatamente o que aconteceu, mas sim o que apoia a pessoa que você se tornou. O mesmo acontece com as histórias, pois refletimos sobre os eventos para criar uma narrativa.

Mesmo as experiências negativas podem ter valor. Quem nunca contou uma história que hoje parece divertida, mas que na época parecia o fim do mundo? Experiências negativas também podem se transformar em histórias valiosas ou em lições importantes. Segundo o Dr. Thomas Gilovich, professor de psicologia da Universidade de Cornell, experiências que afetam negativamente nossa felicidade podem, com o tempo, ser vistas como formadoras de caráter ou até mesmo divertidas. Veja histórias de Steve Jobs, Walt Disney, Bill Gates etc…

As experiências são compartilhadas, enquanto os bens físicos são comparados. Se você e eu vivenciamos a mesma experiência, é possível que criemos um vínculo. Não importa se escalamos o Everest juntos ou em épocas diferentes, ainda assim, criaremos um vínculo e conversaremos sobre isso. Por outro lado, quando se trata de “coisas”, nós as comparamos – o modelo, o ano, o preço.

Então, o conselho de hoje vem de Dan Ariely, economista comportamental e professor da Duke University, que recomenda alguma variedade e fazer algo para tornar a memória mais intensa, pois a falta de variedade e intensidade significa que os dias se misturarão. Por exemplo, que tal acrescentar um esporte radical nas suas próximas férias? 

Por fim, a nossa memória está ligada à nossa familiaridade e interesse. Se você gosta de cozinhar, é mais provável que se lembre de uma aula de sushi. Se gosta de esquiar, nunca esquecerá do esqui de helicóptero no Japão e assim sucessivamente. Portanto, para criar conscientemente uma lembrança duradoura, escolha um evento único (variedade) e emocionante (intensidade) que esteja relacionado a algo que você já conheça ou se interesse.

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