Já parou para pensar por que é tão difícil conversar sobre política hoje em dia? Por que aquele seu tio, que é uma pessoa tão inteligente em tantos aspectos, parece “não enxergar o óbvio” quando o assunto é política? Ou por que você mesmo, às vezes, sente uma raiva instantânea ao ler certas opiniões nas redes sociais, antes mesmo de processar completamente o que foi dito?
No coração desse problema está algo enraizado em nossa biologia e história evolutiva: a tendência de dividir o mundo entre “nós” e “eles”. Como explica o neurocientista Robert Sapolsky, nosso cérebro ainda carrega reações rápidas e tribais, que eram essenciais para a sobrevivência de nossos ancestrais, mas agora complicam as interações na sociedade moderna.
Esta divisão se manifesta em três níveis:
- No nosso pensamento: Diferentes grupos chegam a interpretações completamente diferentes dos mesmos fatos.
- Nas nossas emoções: Discordâncias simples se transformam em hostilidade e desprezo.
- No nosso comportamento: Acabamos nos afastando fisicamente de quem pensa diferente.
E aqui é onde as descobertas de dois pesquisadores brilhantes – Jonathan Haidt e Daniel Kahneman – nos ajudam a entender esse fenômeno.
Nosso cérebro tem dois “sistemas”
Daniel Kahneman descreve o cérebro humano como dividido entre o *Sistema 1* (rápido e emocional) e o *Sistema 2* (lento e racional). Haidt usa uma metáfora semelhante, o “elefante e o cavaleiro”: o elefante representa nossos processos automáticos e emocionais, enquanto o cavaleiro é nossa parte racional. Mas o cavaleiro serve ao elefante, não o contrário. Quando nos deparamos com algo que desafia nossas crenças, é o elefante que reage primeiro – e o cavaleiro logo começa a justificar essa reação.
Tá, por que isso importa para a política?
Fatos e argumentos não mudam opiniões. Quando recebemos uma opinião política que nos desagrada, nosso “elefante” reage instantaneamente. Tentamos então racionalizar essa reação, mas é difícil convencermos uns aos outros com argumentos lógicos, pois estamos tentando mudar o cavaleiro, enquanto quem realmente está no controle é o elefante. Haidt explica ainda que pessoas de diferentes orientações políticas têm “fundamentos morais” distintos – como se falassem linguagens morais diferentes. Por isso, o que é importante para um grupo pode não fazer sentido para o outro.
O papel das redes sociais
As redes sociais agravam a polarização ao criarem “câmaras de eco” que reforçam nossas crenças existentes. Os algoritmos favorecem conteúdo que valida nosso viés de confirmação, e a repetição constante de informações em nossa bolha reforça nossas convicções. Isso torna as redes ambientes mais emocionais, que exploram diretamente o nosso Sistema 1, favorecendo reações rápidas e viscerais e diminuindo o espaço para o diálogo.
Não se pode confiar na “verdade”. Os “fatos” são apresentados de forma seletiva. As ideias são consideradas “perigosas demais” para serem expressas. O “cancelamento” de opiniões contrárias ou dissidentes tornou-se uma prática normalizada na mídia e na academia. Muitos dos intelectuais públicos de hoje se recusam terminantemente a dividir o palco com um colega que discorde deles ou tenha opiniões divergentes.
A vitória de Trump exemplifica como as divisões partidárias modernas são frequentemente alimentadas mais pela oposição aos adversários do que pela identificação positiva com um grupo. Este “partidarismo negativo” tem se tornado uma força dominante na política contemporânea. Como ressalta Ezra Klein, a sobreposição entre identidade e política intensifica os conflitos. Pesquisas indicam que:
- Sociedades com identidades diversas e transversais tendem a experimentar menos conflitos
- Ameaças à identidade frequentemente resultam em maior engajamento político defensivo
- Mudanças culturais e demográficas podem intensificar tensões identitárias
Conclusão
A polarização não é apenas um incômodo nas reuniões de família – é uma ameaça real à democracia. Quando paramos de ver o “outro lado” como humanos com perspectivas diferentes e passamos a vê-los como inimigos, o próprio tecido social começa a se desfazer. A moralidade é tanto inata quanto aprendida, e as culturas e contextos sociais ajudam a moldar nossas intuições morais. Reconhecer que o raciocínio moral muitas vezes serve mais aos interesses sociais e emocionais do que à busca pela verdade pode nos ajudar a entender o motivo de tanta divisão.
Mas há esperança. Entender como nossa mente funciona é o primeiro passo para superar essas divisões. Como diz Haidt: “Não podemos mudar facilmente nossas reações intuitivas, mas podemos usar nossa razão para criar ambientes que favoreçam melhores interações entre diferentes grupos.”
Para se aprofundar ainda mais
Se você se interessou por esse tema, recomendo:
– “The Righteous Mind” de Jonathan Haidt
– “Thinking, Fast and Slow” de Daniel Kahneman
– “Why We’re Polarized” de Ezra Klein
Lembre-se: o objetivo não é eliminar nossas diferenças – elas são naturais e até benéficas para uma sociedade saudável. O desafio é aprender a discordar sem desintegrar, a debater sem destruir, a criticar sem cancelar. Afinal, como dizia o filósofo John Stuart Mill: “aquele que conhece apenas o seu lado da questão conhece pouco dela.”