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Quando ser invisível vira o maior upgrade

Cinco anos atrás, achamos que as viagens a trabalho tinham acabado. Lembra? Home office, Zoom, Slack, câmera desligada, roupa de cima elegante e pijama embaixo. Parecia impossível que alguém voltasse a encarar check-in, sala de embarque e fila no raio-x por causa de uma reunião.

Mas bastou o mundo reabrir — e as conexões via tela saturarem — para que o desejo por presença física, experiências reais e um bom e velho “olho no olho” voltasse com força.

E voltou caro.

Segundo o World Travel & Tourism Council, as viagens corporativas não só se recuperaram como ultrapassaram os níveis pré-pandemia, movimentando US$ 1,5 trilhão em 2024. O que antes era um mal necessário virou campo de disputa por status e conforto: quem oferece o melhor voo, o melhor lounge, o melhor jantar a 10 mil metros de altitude?

Vamos ser honestos: durante muito tempo, lounge de aeroporto virou sinônimo de fila, caos e vinho quente. Um daqueles “privilégios” que se democratizaram tanto (valeu, cartão black!) que deixaram de ser privilégio. Mas 2025 está aí pra provar que luxo é, acima de tudo, escassez bem aplicada*

Com o retorno firme das viagens a trabalho — e a consolidação de um viajante de negócios mais exigente, hiperconectado e disposto a pagar pelo próprio silêncio — os aeroportos estão passando por uma transformação silenciosa. E bilionária.

Bem-vindos à era dos lounges dentro dos lounges, das portas deslizantes, do spa antes do embarque, da cama de casal na executiva e, claro, do caviar antes do pushback.

A lógica é simples: se o business class tradicional virou um território superpovoado, o mercado responde elevando a régua. E cobrando (bem) por isso.

Delta One, United Polaris, Cathay Aria Suites, QSuites da Qatar, Mint da JetBlue — os nomes soam como linhas de alta-costura e, de certo modo, são. Suítes com porta, monitores 4K, colchões de espuma de memória, descarga sem toque, aperitivos com receita de 12 mil anos (literalmente, no caso da Turkish Airlines), camas de casal para casais e edredons Missoni.

O business virou o novo first. A premium economy virou o novo business. Uma escadinha de indulgência — com preços também escalonados.

Só que a verdadeira mudança de narrativa está no solo, e não no ar.

Lounges deixaram de ser apenas espaços de espera. Viraram ecossistemas de hospitalidade de altíssimo padrão. No JFK, o novo Delta One Lounge oferece menu assinado, tratamentos de spa e coquetelaria autoral.

Em Paris, a Air France entrega suítes com cama, mordomo e até pátio privativo. E se US$ 2.200 parecerem razoáveis, as Reserve Suites do Chase incluem recepção com caviar e banheiro com amenities Augustinus Bader.

No Brasil, o melhor exemplo desse novo código de acesso está escondido no Terminal 3 de Guarulhos: o BTG Pactual Lounge. Pouca gente sabe que ele existe — e quase ninguém entra. O espaço, pensado para clientes ultra-high do banco, é minimalista, silencioso e feito sob medida para quem quer evitar até o ruído visual do aeroporto. Gastronomia de altíssimo nível, carta de vinhos raros, atendimento discreto.

Aqui, mais do que conforto, se vende privacidade e status.Tudo isso reflete uma mudança mais profunda: não é só sobre luxo — é sobre controle. Controle sobre o tempo, sobre o ambiente, sobre quem você cruza (ou não cruza) no caminho até o portão de embarque. 

O que está em jogo hoje não é só o assento — é a experiência como um todo. O que era benefício virou produto. O que era produto virou experiência. E o que era experiência virou curadoria com senha.

Num mundo em que todo mundo quer um upgrade, talvez o verdadeiro luxo seja não ser percebido.

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