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Quem somos nós? Uma reflexão sobre identidade e fragmentação do eu

Nessa última semana, me deparei com um artigo muito bom que discute duas obras contemporâneas – a série “Severance” e o filme “The Substance” – e suas provocativas explorações sobre identidade e consciência. Como alguém que sempre se interessou por questões filosóficas sobre o eu e a natureza da consciência, não pude deixar de me sentir profundamente impactado pelas reflexões que esse texto provocou.

O que mais me tocou foi perceber como, em nossa vida cotidiana, raramente questionamos quem realmente somos. Assumimos como natural essa continuidade entre corpo, memória e personalidade. Mas será que somos realmente essa entidade única e coesa que imaginamos ser? O artigo me fez pensar sobre como, mesmo sem tecnologias futurísticas de divisão da consciência, já vivemos diferentes versões de nós mesmos.

Pense em como nos desdobramos em múltiplas personas ao longo de um único dia: a postura profissional que assumimos no ambiente corporativo, o jeito descontraído que emerge naturalmente entre amigos, a face terna que reservamos para a família. E então, há aquela versão digital que construímos nas redes sociais – um mosaico cuidadosamente selecionado de momentos, opiniões e imagens que escolhemos compartilhar. Entre tantas faces de um mesmo ser, qual delas representa nossa verdadeira essência? Ou seria possível que todas essas facetas, em sua complexa teia de expressões, componham juntas quem realmente somos?

O que mais me intriga é como a tecnologia moderna tem amplificado essa fragmentação do eu. Não precisamos de um procedimento cirúrgico como em “Severance” para separar nossa vida profissional da pessoal – já fazemos isso naturalmente, ainda que de forma menos radical. As redes sociais, as videochamadas e os filtros de foto nos permitem projetar diferentes versões de nós mesmos, cada uma adaptada a um contexto específico.

As reflexões filosóficas apresentadas no artigo são provocativas. John Locke argumentava que a continuidade da memória é o que nos faz ser quem somos. Outros, como Bernard Williams, defendiam a continuidade corporal. Mas em um mundo onde podemos existir simultaneamente em diferentes espaços digitais, onde nossa presença pode ser multiplicada e fragmentada, essas definições tradicionais parecem insuficientes.

O que mais me preocupa é pensar no futuro. Se já vivemos essa fragmentação hoje, como será quando tivermos acesso a tecnologias ainda mais avançadas? Drogas que alterem nossa personalidade conforme a necessidade, inteligências artificiais que possam replicar aspectos de nossa consciência… Será que nosso conceito atual de identidade sobreviverá a essas mudanças?

A real é que precisamos repensar nossa compreensão de identidade. Em vez de buscar uma essência única e imutável do eu, talvez devamos abraçar nossa natureza múltipla e fluida. Afinal, não somos apenas uma coisa – somos muitas, e isso não nos torna menos autênticos ou menos humanos.

O artigo termina sugerindo que obras como “Severance” e “The Substance” podem ser proféticas. Concordo, mas acredito que elas são mais que isso: são um espelho que reflete questões que já enfrentamos hoje. A fragmentação do eu não é um problema do futuro – é nossa realidade presente. E quanto mais cedo começarmos a refletir sobre isso, melhor preparados estaremos para navegar nesse mundo de identidades múltiplas e fronteiras cada vez mais fluidas.

Então, fica aqui a minha provocação: quem você é realmente? Quantas versões de você existem? E como você lida com essas diferentes facetas de sua identidade? Talvez as respostas não sejam simples, mas o próprio ato de questionar já nos ajuda a compreender melhor.

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