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Ring ring: o retorno do telefone com fio

Talvez o que falte hoje às crianças e a todos nós não seja só mais limite, menos tela, mais verde, menos dopamina. Talvez o que esteja fazendo falta seja um telefone com fio. Sim, um telefone fixo. Daqueles que ocupavam o canto da sala, com som de campainha analógica e um fio espiralado que, invariavelmente, virava brinquedo de dedo. Um símbolo de outra era, só que agora, reeditado como ferramenta de conexão mais profunda.

Te peguei desprevenido, né? Pois é… eu também fui pega de surpresa. Tudo começou quando li essa matéria incrível na The Atlantic e confesso, fiquei obcecada. Ela conta a história real de uma mãe, em South Portland, no estado do Maine, que resolveu comprar um telefone fixo para a filha de 10 anos. A ideia era simples e, ao mesmo tempo, revolucionária. Ela queria que a filha pudesse falar com amigos, avós, vizinhos. Sozinha, sem intermediários, mas também sem distrações, sem feeds infinitos, sem notificações viciantes. Um canal de comunicação puro e direto.

O que começou como uma decisão isolada virou um movimento. Vizinhos compraram seus próprios aparelhos. Hoje, há cerca de 20 casas com telefones fixos funcionando, criando uma espécie de “bolha analógica” onde crianças voltaram a fazer algo quase esquecido: ligar umas para as outras.

Mas o mais interessante é o que acontece quando essa geração, nascida sob touchscreen, precisa esperar a vez para falar, se apresentar ao telefone, ouvir com atenção, responder sem emoji. Segundo os pais envolvidos, os efeitos são imediatos: mais empatia, mais foco, mais interesse genuíno no outro. Porque não há rostos congelados, filtros engraçados ou likes esperando. Há só voz, pausa, silêncio e escuta.

Talvez por isso os pais não estão apenas dizendo “não” aos smartphones. Estão dizendo “sim” a outra forma de estar no mundo. Uma forma menos ansiosa. Mais presente. Mais relacional. Um tipo de presença que não depende de um avatar, mas de uma voz do outro lado da linha dizendo “oi, tudo bem?”.

A psicóloga Jacqueline Nesi, especialista em efeitos da tecnologia na infância, defende exatamente isso: em vez de demonizar os smartphones, os pais deveriam se perguntar o que seus filhos realmente querem quando pedem um. Comunicar-se? Jogar? Sentir-se incluídos? A partir disso, talvez a resposta seja menos sobre negar acesso e mais sobre oferecer alternativas que realmente funcionem — e façam sentido.

Enfim, toda a história me pegou de um jeito quase físico, porque me lembrou de quando eu mesma amava ligar para as minhas amigas. De fazer lição de casa juntas pelo telefone (e a verdade é que a gente mal estudava e mais ria), de contar uma novidade no impulso — ou de simplesmente ficar esperando meus pais ligarem quando estavam viajando. A ligação era mais do que comunicação: era um momento, um gesto de presença. E tinha algo de mágico nisso tudo.

Claro, o telefone com fio não é a solução definitiva para os desafios da nossa era digital. Ele toca no meio do filme, às vezes chia, não cabe no bolso do filho. Mas, por outro lado, ele devolve algo essencial: a centralidade da conversa. E essa pode ser a habilidade mais valiosa que uma criança pode levar para o mundo conectado de amanhã.

A ironia? No fim das contas, o telefone fixo e o smartphone têm exatamente o mesmo superpoder: permitir que a gente ligue para alguém. A diferença está no que mais vem junto — e em como a gente escolhe usar.

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