Essa semana vou me aprofundar na série da Netflix, Sex Education, porque eu acho ela necessária, além de super divertida e uma das minhas favoritas. Andei pensando o quanto eu gostaria de ter tido uma série como essa quando eu era adolescente e milhões de questões pairavam sobre a minha cabeça. A criadora, Laurie Nunn, conseguiu fazer uma comédia de sexo adolescente que eu nunca tinha visto antes, onde o sexo não é um “problema” e sim um aspecto de saúde. E olha, sendo bem sincera, acho que o melhor da série é que apesar de ter seu foco muito claro, o sexo, ela consegue cobrir muito terreno e, com empatia e realismo, abordar uma gama de outros temas para refletirmos, repensarmos e nos questionarmos.
Ao longo da primeira temporada você até sente que existe um personagem principal, mas isso é logo descartado na segunda, onde cada personagem se desenvolve em seu próprio enredo e é a partir de cada um deles, individualmente, que eles se cruzam e montam a história principal, o que se aproxima ainda mais da realidade. A série mostra como a vida deve ser. Raça, gênero e classe são importantes elementos nas mãos dos roteiristas que dão à diversidade e representatividade novas roupagens: o grande atleta e estrela da escola é um menino negro; o protagonista e o coadjuvante são melhores amigos e ainda assim possuem orientações sexuais diferentes; a colega do teatro é assexuada; o crush coletivo é um francês com ascendência palestina; a jovem de cabelos rosas é abertamente feminista; as amigas descobrem que se gostam; o vizinho é cadeirante.
No infinito universo da sexualidade, através de personagens complexas e apaixonantes, a série britânica fala sobre as questões mais diversas, inclusive tabus que cercam a vida sexual de qualquer um — homossexualidade, assexualidade, fetiches, bissexualidade, etariedade, gênero binário, falta de libido, descoberta da orientação sexual, masturbação (feminina e masculina), orgasmos, virgindade, intimidade com uma deficiência, pílula do dia seguinte, etc.
Um dos destaques da terceira temporada ao meu ver é a temática envolta da pluralidade das vulvas, quando Jean explica para Aimee que cada vulva é única: existem diversos formatos, cores e características que tornam a região externa da genitália totalmente singular — e, consequentemente, plural, porque cada uma terá seu próprio tipo de vulva. Jean indica um website com variados tipos de vulvas que, de fato, existe. Acesse o “All Vulvas Are Beautiful” aqui.
Por outro lado, há muitas outras questões humanas a serem destacadas. Me dá vontade de discorrer sobre cada uma delas, mas aí isso aqui não teria fim, portanto, vou trazer alguns highlights sem me aprofundar muito (pule os tópicos abaixo se tiver receio de spoiler)
- A questão da amizade feminina sem competição, desenvolvendo uma mensagem sobre a união feminina em prol dos direitos das próprias mulheres e que a rivalidade feminina deveria ser coisa do passado e que a verdadeira amizade não incentiva as pessoas a competir, se comparar ou se diminuir;
- A importância do consentimento é lembrada através do assédio sexual que a personagem Aimee Gibbs sofre, lembrando que a personalidade, roupas e comportamento de uma mulher jamais podem ser considerados convite para alguém se aproximar dela sem permissão;
- O gênero não-binário e a resistência contra a linguagem neutra;
- As discussões acerca do sexo casual, encabeçadas por Jean Milburn, que admite que fez muito sexo causal ao longo da vida e, no entanto, não se arrepende pelas experiências, muito menos se envergonha delas;
- O fato de que transparecer as vulnerabilidades pode ser uma maneira de encontrar força e estabelecer relacionamentos mais íntimos e profundos com aqueles que estão ao redor, lição dada pela personagem Rubi;
- O tabu da gravidez da mulher mais velha e o relacionamento de mulheres com homens mais novos;
- A homofobia como crime e a perseguição à comunidade LGBTQIAP+ – aqui representada na Nigéria, país de origem do personagem Eric.
- A masculinidade tóxica em uma sociedade na qual os homens que não podem demonstrar emoções fazem vítimas como os personagens de Adam Groff e seu pai, o Michael.
Parte de todo o sucesso da trama vem do grande cuidado da equipe em fazer tudo de forma autêntica, mas respeitosa. Para isso, os produtores recorrem a coordenadores de intimidade e uma boa dose de comunicação. “O show não mede esforços para garantir que nossos atores estejam o mais protegidos possível”, de acordo com Nunn. Para Saleh, ator que interpreta Cal, e tem a série como seu debut na televisão, foi surpreendente como toda a equipe foi atenciosa e cuidadosa com os corpos dos atores “e como eles ajudaram a estabelecer limites um com o outro, e dizer o que não éramos e com o que nos sentimos confortáveis. ”
Enfim, a comédia-drama continua a ampliar suas lentes, trazendo temas importantes para o debate comum elenco talentosíssimo, muito humor britânico, ao mesmo tempo que nos proporciona um excelente entretenimento. Ah e a quarta temporada já foi confirmada!